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quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Gato na Janela

OGato na Janela
roteiro cinematográfico
primeiro tratamento
por José Sette

Registrado na Biblioteca Nacional

“Uma adaptação livre, cinematográfica, do romance policial homônimo de José Guilherme Mendes”

Manhã
Primeiro Movimento
“Andante cantabile pero com moto “

Abertura: Fade in/out

Seqüência 1 - Exterior - Noite/Amanhecer

O mar agitado. Barcos ao sabor das ondas. É noite e chove forte.
Ruídos: água batendo no casco; o ranger das madeiras; o vozerio dos marinheiros agitados. Música acompanha os planos. O relógio na cabine do barco marcava doze horas.
Mãos carregam sacos pesados no convés. Um navio cargueiro passa ao fundo da cena. Mãos acenam dos barcos o sinal da despedida. Outros marinheiros recolhem os embrulhos amarelos que flutuam no sobe e desce das ondas. No convés um dos sacos abre-se e espalha uma pequena quantidade de feijão preto. O marinheiro comandante da ação reprova, com gestos, aquele que deixou o saco abrir e tenta pegar os poucos grãos que ainda se conservavam na madeira molhada do convés. Embora ele reclame sem parar, não se ouve a sua voz bravejando, ela é abafada pelos ruídos e pela música que aos poucos vai adquirindo a melodia tema do filme.
Dos detalhes dramáticos, dos rostos molhado, da fina chuva, chega-se ao rosto suado e negro do malandro Chicão, assustado e fugindo de uma perseguição policial, de noite, nos morros do Rio de Janeiro.
Retomemos as ondas no mar: a chuva havia passado; os motores dos barcos pesqueiros são ligados; o dia amanhece e sua luz desponta por entre as escuras nuvens. Passam na contraluz, em vôo rasante, sobre as ondas, as gaivotas.
No único movimento de uma gaivota: observa-se o sol nascendo no horizonte, o mar ainda agitado e o barco que passa com a bandeira brasileira tremulando no mastro. Ao fundo das ilhas Cagarras, onde ondas ferozes arrebentam-se em suas íngremes escarpas, pode-se voar mais alto escalando o megalítico majestoso e ver, com muita nitidez, a cidade do Rio de Janeiro: Barra, Leblon, Ipanema e toda a sua costa sul banhada pelo amarelo carregado do nascer do sol.
Do alto e de longe, meio terra e meio mar, aproximando no tempo necessário de apresentarmos os créditos. Fechando o quadro, até a praia de Ipanema:
Avenida Vieira Souto, o luxuoso prédio, o quarto cercado de vidro, a luxuosa cobertura.
O helicóptero fica flutuando em frente ao apartamento. No seu interior, ao lado do piloto, está o velho empresário, (e/ou marinheiro), de terno e gravata. Fisionomia fechada, rosto muito claro, estrangeiro, o mesmo que no barco agitado catava nervosos os feijões no convés, que agora, por alguns segundos, olha para o apartamento, o quarto envidraçado, a cortina fechada e sem mudar a expressão frívola do seu rosto, ordena ao piloto para ir embora.
O helicóptero retorna o seu vôo em direção do mar.
O sol desaparece e uma chuva fina volta novamente a cair.
As ilhas Cagarras, ao longe, são envoltas numa suave neblina.


Seqüência 2 exterior/interior/ noite

O editor da página de polícia, Maciel, do maior jornal do país, escondido da chuva, dentro do carro do jornal, presencia a desorganização dos policiais depois de deixarem o marginal Chicão escapar, mais uma vez. Novamente, agitados, no seu cerco, entram nos seus carros e saem em disparada pelas ruelas do morro, com suas sirenes ligadas, acordando os moradores dos barracos. Chove mais forte e os seus “camburões” derrapam com seus homens segurando suas metralhadoras para fora das janelas. Alguns estão com os rostos cobertos por um capuz de malha preta.
fusão:
Silvino, de frente à um espelho de camarim, retira de sua cabeça uma malha preta que serve para esticar os seus longos cabelos pixaim aloirados.
Um raio corta o céu escuro
fade out:

Seqüência 3 - Exterior/Interior - Dia amanhecendo

Ruídos de trovoadas.
Chove forte na cobertura da Avenida Vieira Souto.
O quarto envidraçado permanece com as cortinas fechadas.
Aproximamos-nos devagar e nos assustamos quando Silvino, num gesto rápido, abre uma parte da cortina por onde penetramos. Atravessamos o vidro em plano-seqüência que se finaliza quando na grandeza luxuriosa do quarto escondido, observamos, em seus detalhes, um belo corpo de mulher.
Texto off( voz do jornalista Maciel): “ Tudo começou naquela cama, em forma de meia-lua, coberta de finos lençóis floridos, caídos sobre o grande tapete, farto, indo de ponta a ponta do quarto, o corpo longilíneo vestido apenas com uma calcinha rendada. Era uma visão plácida, repousante, a daquele corpo jovem; as pernas ligeiramente encolhidas marcando as coxas firmes; a tênue barriga das pernas; o tornozelo fino e os pés delicados. Tudo parecia no lugar, o braço direito tombado com a mão aberta, o braço esquerdo perto do coração, a mão semifechada cobrindo os pequeninos seios quase escondendo o orifício... ali entrara a bala que rompeu o coração de Giulia de Montechiaro..
- Contessina, Contessina!
repetiu, em voz alta e cantada, cheia de falsetes, Silvino.
- Contessina, Contessina, está na hora, abre seus lindos olhos e veja que dia mais feio...
Silvino parou e encostou sua cara no vidro...
... Ai meu Deus como detesto chuva, por minha conta o ano teria 365 dias de sol e os mesmo de lua, sempre cheia, nada de minguante, lua nova, meia lua, pra que?... Aproximando-se da patroa... - Divina Contessina!
Nada... Aproximou-se mais, tocou no braço esquerdo. A mão que cobria o pequenino seio esquerdo tombou para o ventre, deixando a vista a marca escura sob a parte externa do seio.
- Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!
Saiu ele correndo segurando a cabeça e quando encontrou Nadir, a copeira que já vinha se vestindo, desmaiou. O relógio da cozinha marcava 7.00 horas.


Seqüência 4 - Exterior - Interior - Manhã

O Helicóptero pousa no último andar de um edifício no centro de São Paulo.
Um jovem executivo, segurando um guarda chuva que é açoitado pelo vento, vestindo um terno escuro, espera o seu presidente, Mr. George Taylor, sair do pequeno aparelho.
Andando pelos corredores luxuosos da grande empresa, meio desengonçado, o atrapalhado jovem executivo, filho de um Ministro, que por possuir informações valiosas fornecidas pelo pai, é bem tratado pelo presidente, que esboça um e outro sorriso, enquanto “Bili”, o economista Belisário Serra, vai comunicando as oscilações da bolsa e do mercado de capitais
- Os investidores internacionais estão retirando do mercado 20 bilhões de dólares, há prenúncio de uma crise sem precedentes, a bolsa de valores está congestionada e as ações da empresa estão sendo vendidas em baixa. Aconselho uma reunião com o Ministro, ele está a sua espera...


Seqüência 5 - Exterior - Manhã

O carro da polícia chega numa casa no subúrbio do Rio de Janeiro. O comissário Xavier, de chapéu, desce do carro e chama por Seixas num velho interfone: uma voz esganiçada responde dizendo que já está indo.
O comissário coloca um cigarro na boca e ascende com um isqueiro Zippo.
No carro da polícia, em movimento, o mesmo policial tira o cigarro da boca; depois de uma forte tragada, vira-se para o Seixas e inicia um diálogo:
- Que é que há, seu Seixas? Encheu a cara, ontem? A cama te estranhou?
- Domingo de manhã... é quando eu gosto de ouvir a minha música, gosto de cuidar do meu jardim e vocês já estão precisando de meus serviços: é, o dia hoje não está bom...
- Quem é que manda ter cartaz ? Faz o serviço bem feito e ai todo mundo quer o seu Seixas. Não é, Piloto ?
O motorista balança a cabeça e diz:
- Positivo, é o cartaz
O motorista excitado da um golpe na direção do carro e liga a sirene acelerado e avançando um sinal. Seixas não se assusta e olha em silêncio as paisagens cariocas. Quando passa o túnel de Copacabana, ele começa a falar :
- O que aconteceu ? Mataram o presidente ? Acertaram algum bacana ?
- Uma bacana da Vieira Souto, zona sul, Ipanema e boa as pampas ...
- Bonita ?
- Bonita ? Dizem que é de fechar o quarteirão ... não me deixaram ver ...
- Nova ?... Casada ?
- Pouco mais de trinta anos ... desquitada duas vezes, parece....
- Pílulas ? Veneno ?
- Nada disso: bala mesmo. Balinha. Balinha de beretta, calibre 6.35.
- Arma de grã-fino.
- Não é uma arma Seixas ! É uma jóia. Toda cravejada de esmeraldas.
- Esmeraldas ?! Mas por que esmeraldas numa pistola ? Ela se matou com a própria arma ?
- Se ela se matou ou foi morta isso eu não sei ... o que eu sei é que a arma dela vale uma nota preta ...
Seixas volta a ficar em silêncio. Praia de Copacabana. Praia de Ipanema.
O carro de polícia é visto do alto chegando no edifício de luxo que fica de frente para o mar. O motorista desce e se aproxima do perito que esta distraído em seus pensamentos:
- Acorda, Seixas! Chegamos! O delegado já está a sua espera.
Disse isso abrindo a porta do carro.
Alguns populares na porta, cordão de isolamento no hall de entrada do edifício e alguns policiais.
Seixas entra pela portaria pegando o elevador que está a sua espera.


Seqüência 6 - Interior - Manhã

Silvino está no telefone que fica na grande cozinha e aos prantos conversa com alguém:
- Eu a encontrei morta, estendida como um anjo em sua cama...
Do outro lado da linha está Virgínia excitadíssima e ao seu lado seu marido Vitório Filgueiras.
- Meu Deus, não é possível ! Silvino : eu ia ligar para ela neste instante, quando o telefone tocou !
- Pois é, Dona Virgínia, está morta ! Morta ! Morta ! Meu Deus: será que Deus existe ? ...
- Como foi que isso aconteceu ?
Perguntou Vitório ao lado de Virgínia.
- Silvino ! Preste atenção e me diga como tudo aconteceu ...
- Morta, entendeu ? Giulia, nossa adorada Contessina, Giulietta, La Veronesse, minha vida, morta, eu também quero morrer ...
- Espere ai, Silvino, não morra: eu e o Vitório vamos já para ai... Você falou com o Pepe ?
- Sim, mandei avisá-lo, ele está vindo... mas, já está aqui o delegado, o comissário e agora acabou de chegar um velho ... cheio de caspa: abjeto. Diz que é perito, precisava era de tomar um banho, isso sim...
- Polícia?! Meu Deus, então não foi morte natural ...


Seqüência 7 - Interior - Manhã

George, o presidente, com o rosto pálido, mais conservando a serenidade, desliga o telefone e chama a secretária.
(O diálogo dos dois é em inglês e versa sobre a impossibilidade de se ir a reunião com o Ministro).
Olhando para o infinito, num longo silêncio, George recorda um momento de amor com Giulia (Flashback - Itália - cidade de Veneza).
Acordando do sonho, pede para a secretária, levantando-se de sua mesa, a imediata presença do seu piloto:
-Viajo para o Rio de Janeiro.”A Condessa Giulia de Montechiaro faleceu”.
Diz ele em português, com um sotaque carregado, justificando-se)


Seqüência 8 - Exterior - Dia/Sol

(Flashback)
No bar do Golfe Clube entra o casal George Taylor e a bela Condensa Giluia. Os olhares convergem-se para os dois. Numa das mesas estão sentados Vitório Filgueiras e Fabrizio Damasceno colunista social do maior jornal do país. Imediatamente Vitório pôs-se de pé, para cumprimentar o casal que seguia o maítre rumo à mesa.
- My dear George! The confidential man...
Faz uma reverência com o corpo.
Condensa! Encantado!...
George e Giulia passam por todos, sem parar e sentam-se a mesa reservada pelo maítre.
- Essa mulher é uma deusa, Fabrizio! E o cachorro não larga o osso.
Comentou Vitório, meio decepcionado porque os recém chegados não se detiveram.


Seqüência 9 -Exterior - Manhã

George olha abstraído o maior jornal do país dentro de um helicóptero que passa pela cidade de São Paulo rente aos altos edifício. O dia está cinza. Chove uma fina garoa.


Seqüência 10 - Interior - Manhã

O elevador sobe ao último andar do apartamento onde está morta a italianinha. No seu interior está Pedro Paulo Matoso, o Pepe, comerciante de pedras preciosas bem sucedido, seu braço e seu pescoço estão cobertos de ouro, é o segundo ex-marido de Giulia.


Seqüência 11 - Exterior - Manhã

Na avenida beira-mar, em frente ao luxuoso edifício, aumentam os curiosos, todos conversam e alguns apontam à todo momento para o alto em busca do mistério que se esconde na cobertura. Uma repórter de televisão prepara seus equipamentos. Na pequeno aparelho de TV, que monitora a emissora de maior prestígio do país, está sendo transmitida as imagens do jornal diário com matéria sobre a caçada ao perigoso traficante Chicão. Um técnico fala para a jornalista:
- Prepare-se que abriremos neste mesmo bloco um espaço para você fazer ao vivo a matéria sobre a morte da condensa Giulia. Atenção ! Você deverá entrar logo após esta matéria...
- A misteriosa morte da condessa Giulia de Montechiaro: A triste notícia da noite passada é agora destaque no Jornal da Manhã. Repórter Ana testando, aproximamo-nos da pequena tela do monitor e penetramos na cena do cerco ao traficante Chicão:


Seqüência 12 - Exterior - Noite

Policiais sobem o morro e por onde vão passando falam aos retardatários:
- Sai de perto! Caia fora, se não quiser se machucar! Vai para casa! Se manda rápido se não levo você comigo!
Mete a mão na cabeça do rapaz, que parecia ter acordado e já ia saindo de seu barraco, o mandando correr.
Chegam a outro barraco, que é cercado pelo grupo fortemente armado.
O Chefe grita em direção do barraco:
- Pode sair bandido, que você está perdido! Sai filho da puta, que sabemos que você está aí. Pra fora, cachorro!
Silêncio.
Ruídos: cães granindo, um galo que canta e o apito de um trem distante.
Maciel, o editor de polícia, olha para ele e se agacha numa moita de capim.
- Sai, Chicão, cachorro, assassino, traficante de merda! Sai que você está perdido e se não sair nós vamos entrar ai... Você está morto, seu nêgo viado! ...
Todos os policiais começam histericamente a atirar contra o barraco de alvenaria e, ao mesmo tempo, quase que em coro, passam a dizer contra o marginal Chicão, os mais pesados insultos. De dentro do barraco não vinha qualquer ruído.
- Sai Chicão, seu puto, se você é homem! Dou um minuto para sair, está me ouvindo?...
Um dos policiais, rastejando, se aproxima da porta do barraco com um grosso pau na mão: dá com ele uma forte pancada na porta; lá de dentro uma voz arrastada diz:
- Quem é?
- É a polícia! Saia, Chicão, que você está cercado! Saia, covarde, assassino! Saia logo seu viado!
- Polícia?! Eu não fiz nada, juro por Deus e por minha mãe. Juro! ...Não sei quem é Chicão, juro!... Juro por Nossa Senhora Aparecida que aqui não tem nenhum Chicão!
- Quede o Chicão? Não banque o esperto que vai ser pior!
- Juro que não tem mais ninguém aqui! Juro! O senhor pode vir ver...
Falou, enquanto a porta do barraco ia se abrindo.
Os policiais se jogam no chão apontando suas armas. Um homem velho, de barba e cabeça branca, coberto com trapos, recurvado, encolhido e tremendo, chegou até a porta.
Um dos policiais descontrola-se e atira sobre sua cabeça.
O Chefe, o delegado Furtado, pede para suspender o fogo.
Afastado o perigo, todos começam a se levantar.
Neste momento um vulto escuro projetou-se pela porta e, como um raio, irrompeu morro abaixo, uma pistola em cada mão, atirando e esgueirando-se como um animal por entre os policiais que, atordoados, se lançaram ao solo, atirando a esmo.
Maciel viu Chicão vir em sua direção empunhando as armas que cuspiam fogo cruzado. Deu um grito de pavor como se estivesse frente a frente com a morte.
Na televisão que ficava na pequena mesa da velha máquina de escrever, ainda de madeira, a repórter, na seqüência, coloca no ar a reportagem sobre a Condessa Giulia de Montechiaro.
Ouviu então, o jornalista que dormia uma voz a lhe chamar:
- Ei, Maciel, acorde. Telefone: homicídio em Ipanema.


Seqüência 13 - Interior -Manhã

Na redação do maior jornal do país. Um jovem repórter está ao lado do sofá onde dorme Maciel.
- Acorde! Homicídio em Ipanema.
- O quê? Que é que foi? ...
Na redação, levantando-se sonolento do velho sofá verde de plástico onde dormia, indagou Maciel, à aquele jovem repórter que vinha lhe acordar:.
- Já despachou alguém para lá? ...
- Não; o Boneco, seu informante da polícia, está no telefone, dando o serviço, gente fina!
- Alô! É o Maciel. Fala.
Maciel, faz algumas anotações no caderno amassado que traz no bolso do paletó.
- Sim ... Avenida Vieira Souto 333, cobertura ... italiana ... desquitada ... Júlia? ... com G.? Gúlia ? ... não tem importância ... encontrada morta pelo criado ... está bem Boneco, fica de olho aí, que já estou indo.


Seqüência 14 - Interior - Manhã

O perito Seixas, o delegado Lobão e o comissário Xavier, estão no quarto de Giulia. Seixas murmura uma frase em latim observando o belo corpo despido, só de calcinhas, estendido na cama em forma de semicírculo.
- Mors ultima ratio...
- O quê? ...
Perguntou o comissário.
- Ai está, Seixas ...
Aproxima-se dele o delegado.
- Aí está: ela é sua.
- A arma?
Perguntou Seixas, procurando a arma com os olhos, tirando da bolsa uma lupa e já se aproximando do corpo:
- Onde está a beretta cravejada de esmeraldas?
- Não deixei que tirassem do lugar onde ela foi encontrada...
O delegado pegou o perito pelo braço e apontou na direção da dobra do cobertor.
- Continua ali, exatamente onde foi encontrada.
Seixas da um assobio de assombro ao descobrir a diminuta arma italiana.
- As balas são também de esmeraldas?
Pergunta ele com ironia. O comissário riu alto. O delegado ficou sério. Com o lenço Seixas pega na arma e caminha de um lado e de outro. O delegado não resiste ao comentário:
- Essa gente gosta de luxo até para morrer...
- Ou para matar...
Disse o perito.
- Ou para matar...
Corrigiu o delegado.
- Então, Seixas: que é que você acha? Suicídio, não é? ...
O perito não responde.
- Eu digo que é suicídio ... não tenho dúvidas.
Diz o delegado.
- É claro! essas donas vivem com a cabeça cheia de fantasias ...
Aparteou o comissário.
- Tinha de tudo: dinheiro, beleza, posição social, saúde, tudo, tudo.
- Então por que haveria de se matar?
Perguntou o perito à queima-roupa.
- Por isso mesmo...
Cochicha vitorioso o delegado ao comissário.
- Quem tem tudo nunca está satisfeito. É o que eu sempre digo...
Apóia o comissário.
O delegado lhe interrompe:
- Em trinta anos de carreira, já comprovei isso: a maioria das pessoas que se suicidam têm tudo para não se suicidar. Só se suicida quem ...
O delegado Lobão interrompe o que ia dizer pois o comissário Xavier lhe fazia gestos, para ficar atento. Entra um senhor na sala.
- Ah, Dr. Pedro Paulo Matoso, tenha a bondade de entrar. Quero lhe apresentar o perito Seixas: - Este é o Dr. Matoso, último marido da vítima.
Disse o delegado com respeito e empostação na voz.


Seqüência 15 - Exterior - Manhã

O repórter policial Maciel chega no carro do jornal à porta do edifício na praia de Ipanema. Desce do carro e vai ao encontro do Boneco, policial civil, informante do jornal.
- Então, acertaram uma dona italiana ?
- Vocês é que são felizes, hein? Vida boa, dinheiro fácil, boas mulheres, boas comidas, invejo vocês, sabe? ...
O informante estava com a voz cantada, quase debochada, recostado à porta da entrada do edifício.
- Que que há, Boneco? Deixa de catimba, homem! Você sabe que não é nada disso - Que que há? Deixa de brincadeira que a coisa é séria.
Disse o jornalista Maciel com certa rispidez na voz, olhando para o movimento em frente do prédio. Boneco continua no seu monólogo de malandro:
- Eu?! Quem sou eu? Um pobre diabo. Dou duro 24 horas e no dia seguinte ainda levo ripada de vocês da imprensa... Maciel! preste atenção é tudo gente fina cheia da nota...olha aquele casal ali chegando, ele bem mais velho que ela, talvez eles nem sejam casados, rico tem disso, gosta de abraçar todas as mulheres, menos a própria.
Maciel deu um sorriso. Boneco continua...
- Feliz, hein, primo? Está até rindo de tão feliz: isso que é vida!
- Vamos, Boneco, deixa de ser empata: Quem matou a italianinha?
- A gente ajuda vocês e depois vocês metem o malho na gente. É justo? Vê lá ...
- E ela ? Quem matou? Vamos lá!
- Quem matou? Eu não sei. Ninguém sabe. Ela? Está lá morta. É picolé que já virou sorvete.
- Você viu?
- Já virou sorvete de coco...
- Foi tiro?
- Um só. Direto na mosca.
- No coração? E a arma?
- A arma? Não diga que eu contei, mas a arma é sensacional! Cravejada de esmeraldas...sabe lá o que é isso?
- Cravejada de esmeralda! Que é isso?
- Dinheiro, Maciel: dinheiro! Sabe o que é isso? Nota, grana, tutu, é isso mesmo: ela queria uma berettinha de esmeralda, pediu e ganhou, e daí? Não pode?
- Quer dizer que não sabem se foi homicídio ou suicídio...
- A dona está morta lá em cima no último andar.
- Qual foi a hora da morte? Já se sabe?
- De madrugada. A hora exata ainda não se sabe. O velho Seixas chegou agora mesmo, deve estar sozinho com a dona. Ele que é feliz: a essa hora da manhã, já esta vendo mulher nua. Isso é que nunca dá pra mim: mulher nua. Meu destino é ficar com homem e vestido, feito você. Mulher nua nunca sobra pra mim.
- Nua?! A dona estava nua?!


Seqüência 16 - Interior -Manhã

No quarto da vitima o Dr. Matoso anda de um lado para o outro tenso, parava e olhava para o perito Seixas dizendo:
- Então meu senhor, já terminou?
Seixas olha para ele com impaciência.
- Estamos com pressa, é claro, a casa está enchendo, há muita coisa a ser feita, o senhor compreende.
- Eu também tenho muita coisa a fazer...
Respondeu Seixas sem olhar para o Dr. Matoso.
- O senhor vai ter paciência, mas meu trabalho não pode ser feito às pressas. Estou acabando de chegar.
Dr. Matoso vira-se para o delegado:
- O problema não é meu. Se acaba de chegar o problema é seu. Não é possível ficar aqui o dia inteiro... é um absurdo, estou dizendo: é um absurdo!
O delegado:
- Mas, doutor, o senhor compreende, há certas formalidades. Não podemos...
- Formalidades, formalidades! Não podemos ficar aqui a vida inteira por causa de formalidades, vamos já com isso! Ou será que vou ter que recorrer a seus superiores ....É uma falta de vergonha! Uma falta de respeito, ficarem aqui como se nada houvesse! Como se uma pessoa não estivesse aqui, morta e desprotegida diante dos olhares indecentes de qualquer um! Uma covardia! ...
- Assim nós vamos ficar aqui o dia inteiro. Assim não é possível trabalhar.
Disse Seixas. O delegado tenta acalmar o Dr. Matoso.
- É só mais alguns minutos e deixaremos o local para o senhor e a família da falecida. Só mais alguns minutos Dr. Matoso!
- Está certo! Vou lá para baixo, mas termine logo com isso. A casa está enchendo de gente.
- É só mais um pouco, doutor. O senhor vai ver.
- Espero que sim, para o bem de todos nós.
Sai do quarto fechando a porta.


Seqüência 17 - Interior -Manhã

Maciel abre a porta e entra na sala do diretor do jornal, e diz à ele com euforia:
- A italianinha Giulia de Montechiaro, uma das figuras mais conhecidas do society do Rio de Janeiro e de São Paulo, foi encontrada morta, despida, em seu luxuoso apartamento de cobertura na Avenida Vieira Souto em Ipanema. Uma bala varou o seu coração....
- Fica calma Maciel, vamos devagar, você sabe que engendrar escândalos não faz os compromissos do jornal, de nossa linha editorial, por isso vai com calma com essa gente...
- Senhor diretor isto é um filé-mignon: A condessinha, como era chamada, pouco mais de trinta anos, casada duas vezes com dois milionários, um estrangeiro e outro brasileiro, foi assassinada. A policia não acredita em suicídio...Vai sair em toda imprensa: falada, escrita e televisionada - Um homicídio nas esferas mais altas da sociedade deste país! E o furo será nosso na edição da tarde!... Isto não é um filé-mignon? ... vá, me responda! .... Posso prepara a matéria? Com chamada de primeira página?... Falou chefe! ...
Maciel sai sorridente da sala do diretor e vai para sua mesa na redação. No caminho, chama o rapaz, que tinha-o acordado e vai logo dizendo:
- Olhe, Jorge, hoje pode ser o dia decisivo da sua vida, você vai até Ipanema cobrir o crime do dúplex. Vê lá como vai se sair, hein? Você fica o tempo todo de olho, não vai perder a notícia, é matéria de primeira página, estou confiando em você. Olha! Tem um cara, logo na entrada, de terno impecável, vermelho grená, um manequim, é o Boneco: você diz que eu vou fazer o cartaz dele no jornal, ele é louco para aparecer e veja se arranca alguma coisa do homem...me telefone em seguida.
Jorge vai saindo apressado acompanhado pelo fotógrafo e pelo motorista do jornal:
- Jorge! Quando o fotógrafo tiver uma foto boa, manda o motorista trazer imediatamente...
Jorge sai e Maciel fala baixo, olhando para os papeis em sua mesa:
- Estou confiando à você, meu filho, esta grande tarefa...


Seqüência 18 - Interior - Manhã

Nadir, a bela copeira, passeia pela sala, com seu corpo moreno e vistoso, entre as poucas pessoas, reunidas pelos cantos, que conversam a meia voz.
O policial, que está no principio da escada, que leva ao segundo andar, que observa o traseiro de Nadir, afasta-se para deixar passar o Dr. Matoso, que descia de cara fechada, sem olhar para ninguém, os degraus de mármore rosa.
- Meu querido! ...
Disse ao Dr. Matoso, uma jovem e bela mulher, passando o braço sobre o seu, encostando-se no seu corpo e repetindo a mesma frase, cada vez mais perto do seu ouvido:
- Meu querido...meu querido...etc...
Texto off (Maciel): - Helen Taylor, é a única filha de George, o primeiro marido de Giulia. Quando o pai se casara com a condessa as duas tinham a mesma idade: a animosidade entre elas era inevitável...uma jovem eternamente insatisfeita, hoje, nem tão jovem, compreendeu que precisava de um marido e Pepe, segundo marido da falecida, tinha, assim como George, interesses nesta união.
Helena e o Dr. Matoso se aproximam da escada. Ele, impaciente, segura Nadir que vem servindo um cafezinho:
- Não! Não quero café. Por favor me traga um uísque com gelo.
- Pois não, senhor... a senhora Dona Helena também aceita? ...
- Há uma pessoa morta lá em cima. Uma pessoa descomposta que se estivesse viva... Ah! Mas quando é que aqueles energúmenos poderiam pensar em vê-la daquele jeito? Não! Nunca! Mas, como está desprotegida, desamparada, eles se servem: são uns abutres...
Dr.Matoso pára em frente da escada e fica observando o segundo andar como se viesse dali o seu sossego.


Seqüência 19 - Exterior - Manhã

Um urubu, que está no terraço da cobertura, é espantado por um gato grande e peludo, que depois retorna para o parapeito da janela do quarto de Giulia.
A imagem, em queda livre, câmera lenta, da cobertura até o térreo, faz com que se possa observar, com detalhes, os acontecimentos dos outros apartamentos.
Em sua maioria estão fechados. No primeiro apartamento, em que a janela está aberta, podia-se ver um senhor uniformizado, vestido da cintura para baixo com um pijama listrado, andando de um lado para o outro, conversando com uma mulher mais velha de camisola. No outro apartamento, escondido pela persiana entreaberta, a figura de um negro alto que olha para fora, para a rua, para o mar e ao ser observado (pela câmera) fecha, num movimento lento, a persiana por onde observava.
Na rua as pessoas se aproximam por curiosidade e fazem perguntas entre si:
- Que é que houve, morreu alguém?
- Parece que morreu uma dona lá em cima.
- Morreu de que; de morte morrida?
- Não sei não; estão falando que levou um tiro.
Um travesti transnoitado se aproxima dos curiosos:
- Um tiro? Nossa mãe, agora, à toa,à toa, mandam bala na gente.
Jorge, o assistente do editor de policia Maciel, que via a cena, olha para a situação e não vendo o informante Boneco, pede para o fotógrafo ir tirando algumas fotografias e continua em sua caminhada como se ali não fosse o seu destino.
Jorge caminha até uma farmácia que fica na esquina, lá dentro está um homem mais velho. Ele entra (fadein/out) e sai vestido com um jaleco branco bordado com a palavra farmácia, o mesmo que o velho homem da farmácia usava. Retorna a porta do prédio e sem vacilar tenta entrar na portaria vigiada.
É barrado pelo policial do terno vermelho grená, o Boneco:
- Onde o senhor pensa que vai?
- Farmácia!
Jorge mostrou as seringas descartáveis que estavam no seu bolso.
- Aí, vou aplicar uma injeção.
O policial Boneco vacilou, mas acabou apoiando a mão no ombro do rapaz e lhe mostrou a entrada de serviço dizendo num gracejo:
- Não vá espetar o lugar errado, hein! Vê lá.
Boneco dá uma gargalhada safada.
Uma limusine estaciona em frente do edifício. As câmaras de tv, a repórter Ana, se aproximam junto dos curiosos. A limusine entra pela garagem. A polícia impede os curiosos e a imprensa de chegar perto do suntuoso carro. Do seu interior sai o Senhor George Taylor. Ele entra apressado para pegar o elevador mas antes pede uma informação para o Porteiro, seu velho conhecido, que já ia abrindo a porta:
- Como vai indo Rosendo?
- Vou bem, doutor!
- O Dr. Matoso já foi avisado?
- Sim, está lá em cima.
- E a polícia também?
- A polícia também.
- Bem, obrigado.
Rosendo fecha a porta do elevador


Seqüência 20 - Interior - Manhã

Na redação do jornal.
- Maciel, telefone para você.
- Quem é?
- Alô!... É o Fortunato.
- Você disse que eu estava?
- Ele não perguntou, foi logo dizendo que era urgente e...
- Porra! É cada uma - logo agora que estou em pleno trabalho... Alô! Alô!!! Que é que há Fortunato? Não, ainda não escrevi: estou ocupado com um homicídio em Ipanema, depois é que eu ia escrever sobre a batida desta madrugada... alguma novidade? Não... é que o crime de Ipanema é com gente cheia do dinheiro, matéria nacional, você entende? Como?... Como?... Na rocinha? ...
Tampando a boca do telefone diz para o jornalista que está em sua frente:
-Porra, este cara vem falar de caçar marginal nesta hora quando temos caçada muito mais fina... Alô! Estou te ouvindo muito mal... Claro que tenho interesse em acompanhar pessoalmente o caso. Você sabe disso. Vamos dar cobertura ao assunto. Me liga mais tarde... Puxa, Fortunato! O Chicão na primeira página?! ... Tranqüilo... tá certo. Espero seu telefonema mais tarde.
Desliga o telefone, olha para o jornalista, olha para as fotos que tem em cima da mesa e diz:
- Olha só: a bela e a fera. A polícia quer o negão na primeira página! Acha que a gente devia deixar de lado essa gostosura, essa coisinha fofa por um bandido qualquer...
O telefone toca novamente. O jornalista atende. Virou-se para Maciel e falou:
- É o fotógrafo, lá de Ipanema. Está dizendo que o Jorge, o seu protegido, sumiu...
- Sumiu?...


Seqüência 21 - Interior - Manhã

Nadir ia sair para deixar o lixo quando foi parada pelo policial que estava na cozinha. Ao revistar o que ela levava aproveitou-se e passou-lhe a mão na sua saliente traseira:
- Sai pra lá! Vê se te enxerga!...É ruim hein!
Abre a porta de serviço e fica cara a cara com o Jorge, o jornalista vestido com o jaleco da farmácia.
- Quem é que chamou farmácia aqui?
Jorge mostra novamente as injeções descartáveis.
- Injeção?! Quem é que pediu injeção?
- Vocês são clientes lá da farmácia...não são?
Justificou Jorge. Nadir olhava para aquele bonito rapaz com ternura e certa excitação.
- Olha, que andei gripada e ando precisando tomar uma injeção de vitamina c... Você sabe dar injeção, não sabe?
- Sei, sei...
- Está bem, então, onde é que pode ser?
- Bem, você é que sabe: onde você quer?
- Quer entrar? A ampola com a vitamina está no meu quarto
Nadir olhou a cozinha pela porta entreaberta.
- Vem. Vem até aqui no meu quarto. Mas cuidado, não vai fazer barulho.
- Sim, sim. Está bem.
Jorge colocou as injeções no bolso e segurou-a pelo braço como se a examinasse. Nadir não tirava os olhinhos molhados dele.
- Não houve fratura, felizmente o caso não é sério, o braço está bom.
Jorge então encostou o seu corpo no corpo da mulher. Nadir respirava ofegante.
- Eles vão ver a gente aqui! Agora mesmo vem gente...
Jorge fechou com o pé a porta do quarto de Nadir e abraçou-a apertado.
As imagens se fundem no vôo em que seus corpos se lançaram.
Uma voz forte interrompe o enlace:
- Nadir! Você está aí, o Silvino está chamando você lá fora.
- Já vou, já vou! Pode ir que já vou.
Respondeu aflita Nadir enquanto vestia-se apressadamente. Jorge não se vestia.
- O que você esta fazendo? Vista-se menino, vamos embora depressa se não o Silvino vem aí! Vamos!
- Eu fico aqui, esperando você.
-Como fica aqui?
- Prometo não fazer barulho... você me tranca... o quarto é só seu... fico te esperando.
- Mas eu não posso voltar pra cá! Tenho que ficar lá dentro: a casa está cheia!
- Eu espero o tempo que você quiser.
- Está louco, menino?! Você não vê o perigo...
- Minha jaboticaba, juro que não farei nada que possa prejudicar você...
- Psiu!
Passos e vozes na cozinha. A mesma voz se aproxima da porta e diz:
- Nadir! Nadir! O Silvinho está uma fera. Ande, menina...está faltando uísque.
- Estou indo! E você, me espere aqui.


Seqüência 22 - Interior - Manhã

No quarto de Giulia, Seixas está a olhar a paisagem cinza do mar imerso na neblina. A lupa na mão direita, parecia esquecido de tudo e de todos. O delegado não se conteve e falou:
- Como é, Seixas? Vamos tocar o negócio? O homem está indócil.
- Você sabe Lobão que vivo nesta cidade e às vezes nem me lembro que aqui tem mar. É um mistério o mar, pois é a origem de tudo e de todos: é a própria vida.
Silêncio.
- Esse que saiu, esse cidadão indócil, era o marido da moça?
- Sim!... Quero dizer: é um dos maridos. O outro, mora em São Paulo. Mas já foi avisado.
- Ela tinha dois?
- Estava separada dos dois...
- O outro também é de idade ou será mais moço?
- Não! Me disseram que todos os dois podiam ser seus pais e se duvidar, seus avôs. Foi casamento de conveniência.
- Para quem?
- Para ela, ora. Quem é que não quer pegar um milionário, hoje em dia? É o que todas querem. Idade não importa.O que importa é o dinheiro.
- Será?
- Ora, Seixas! Você acha que foi um dos dois?!...
- Não acho coisa alguma...
- Não acha melhor examiná-la? Vamos liquidar logo esse caso e ficar livre desses ricaços. Que você acha?...
- Quem achou o corpo?
- O secretário... ou camareiro? Sei lá! Aquele bicha louca.
- A que horas?
- Há umas duas horas mais ou menos. Foi o que ele disse. Mas o moço anda meio histérico...
- Terá se abraçado nela, feito qualquer gesto dramático, modificando a cena do crime?
- Não! Creio que não...Então você acha que foi um homicídio?
- Não acho nada. Pergunto: mexeram no corpo da vítima?
- Não! Diz ele que não... Jura que nem chegou perto da italianinha.
- Que é que ele fez?
- Telefonou logo para o doutor Matoso e depois para o distrito de policia.
- Por que pra ele em primeiro lugar?
- Ele diz que embora separados o Dr.Matoso e ela eram ainda muito amigos...
- Ela não tinha mais ninguém? Nenhum outro homem?
- Bom, que eu saiba não...
- Ontem à noite, ela saiu ou recebeu alguém aqui?
- Ele não sabe, estava de folga e tinha passado a noite na casa de um tio.
- E os outros empregados: que é que eles dizem?
- Disseram que não sabem. A mocinha foi ao cinema e só chegou tarde em casa entrando pela porta dos fundos...
O perito Seixas estava curvado sobre o corpo inanimado, examinando-o de ponta a ponta. Começou por examinar a calcinha rendilhada e com cuidado, após guardar a lupa no bolso, estendeu a mão para começar a tirar a calcinha. O delegado de costas continuava falando:
- Ela também não viu ninguém. É o que todos dizem: ninguém viu ninguém. logo...
Parou de boca aberta vendo o perito que acabava de tirar a calcinha de Giulia.


Seqüência 23 - Interior - Manhã

George Taylor entra no apartamento de Giulia. Todos ali presentes, aos poucos, se acercam dele. George consegue se afastar quando se aproxima dele o Dr. Matoso e Helen. Helen tenta beijá-lo e ele gentilmente se afasta.
- Como foi que isto aconteceu?...
Perguntou o inglês, quase que sussurrando, puxando o outro pelo braço e se afastando rumo a porta envidraçada que dava para o terraço do primeiro andar. As pessoas os envolviam e eles não conseguiam conversar. Matoso pegou o inglês pelo braço, abriu a porta envidraçada e saiu para o terraço. Helen ficou com um copo de uísque do outro lado da porta. Dr Matoso fala para Helen quase que gritando:
- Tome conta, não deixe ninguém entrar. Eu e seu pai precisamos conversar.
Os dois se aproximam do parapeito:
- Matoso, eu só comprei este apartamento para Giulia por que nos dias claros pode-se ver o mar, o farol, as ilhas Cagarras, Ipanema e o Leblon, da pedra dos Dois Irmãos à pedra do Arpoador...era tudo muito bonito...
- Bom George, agora se saberá de tudo. É inevitável.
- Sim... mas, do que mesmo você está falando Matoso?
- Você bem sabe!
- Sei e não sei...onde você quer chegar?...
- Você tentou evitar que se descobrisse?
- Cheguei agora, Matoso! Mas e antes... você não pensou nisso?
- Pensar? Como? ...
- Se a morte fosse natural. Se ela tivesse morrido de uma doença; enfim, se ela morresse com mais naturalidade...
- Era impossível. Só me preocupa agora a imprensa, o sensacionalismo barato, a exploração sórdida e vil...
- Por isso Matoso é que eu acho que devemos dar uma palavra as autoridades e outra aos amigos.
- Não é do interesse de ninguém. Não creio ser do interesse das autoridades e muito menos dos amigos, afinal sempre pode se arranjar as coisas aqui no Brasil...
Neste momento entra no terraço o comissário Xavier aproximando-se do Dr.Matoso:
- Doutor, o delegado Lobão precisa dar uma palavra consigo... É assunto reservado.


Seqüência 24 - Interior - Manhã

Na redação do grande jornal, Maciel está a beira de um ataque, quando chega o jornalista de plantão com um recado:
- Hoje eu vou ter um enfarte! ....
- Olha, Maciel! Só estou lhe passando o recado que recebi da garagem!
- Eu vou ter um enfarte!
- Bom, o Fortunato está lá em baixo te esperando, Você vai! Ou você quer que eu te chame um médico?
- Não me fale neste nome! Tem uma italianinha linda, condessa, morta num apartamento espetacular em Ipanema. Mando pra lá uma besta que some sem mais nem menos. Deve estar enchendo a cara em algum botequim... e agora vem de novo este delegado querendo que eu fale do Chicão... Ah! Cavalgadura infeliz que eu sou.
Enquanto fala caminha em direção do elevador.
- Aquele negão um ilustre desconhecido, sem nome no meio da bandidagem, mais feio do que necessidade e mais preto do que a noite. O delegado pensa que a notícia pode se repetir, tudo em seu benefício, quer matar o sujeito, deve ter suas razões, mas precisa do aval da mídia e pensa que eu não sei disso.Ora! Vá pentear macacos.
Maciel encontra-se com Fortunato na garagem do grande Jornal.
- Olá, tudo bem?
- Maciel, você é de morte.
- Que é isso Fortunato!
- Maciel, por que você trata a gente tão mal, hein, Maciel?
- Dr. Fortunato, que é isso, tratar mal? Eu? Você é meu - você sabe disso.
- Não Maciel, você é que é meu. Eu não digo sempre que o Maciel é do peito...todo mundo lá do distrito sabe que quem manda lá é o cobra do Maciel...
- E eu? Eu não ponho o jornal a disposição de vocês?
- É, mas quando soube da ricaça de Ipanema esqueceu os pobres da zona norte.
- Ô Fortunato, comigo não! Não maltrate seu velho amigo desse jeito.
- Maciel, aproxime-se! Tenho uma coisa para lhe dizer...
O delegado, matador de bandidos, Fortunato, aproxima-se de Maciel e fala ao seu ouvido coisas que não se pode ouvir.


Seqüência 25 - Interior - Manhã

Voz off (Maciel): - Sobre George Taylor muito pouco ou quase nada sei da vida dele.Duvida-se de tudo: de sua nacionalidade; de sua idade; de seu estado civil - enfim há muita gente disposta a apostar como nem seu nome é verdadeiro. Sabe-se que ele chegou ao Brasil e viveu alguns anos hospedado no melhor hotel de Copacabana. Em pouco tempo já freqüentava a sociedade carioca. Um dia trouxe da Europa a sua filha Helen que estudava na Suíça. Seus negócios andavam bem. Ele viajava constantemente para os Estados Unidos e para a Europa afirmando representar um dos grupos financeiros mais poderosos do planeta. E foi da aristocracia européia que, logo que comprou este apartamento, ele trouxe sua jovem esposa, a condensa Giulia de Montechiaro.
Helen se aproxima do pai que está solitário no terraço e encostando sua cabeça no ombro do elegante senhor diz:
- Meu amor, não fique triste, agora eu te faço companhia, sei o que é ficar sozinho neste mundo.
-Você está bem?
Perguntou-lhe o pai por perguntar, e antes que Helen respondesse, um casal se aproximou dos dois. A mulher segurou George pelos braços, olhou bem nos seus olhos e disse apenas uma palavra em francês:
- Courage...
Virgínia com um lenço leve, de seda, enrolado no pescoço. Ao jogar a cabeça para trás, sabia que o efeito seria seguro. Seus menores gestos eram estudados com capricho.
Os dois se olharam, se beijaram nos lábios e se apertaram num abraço.
George, íntimo e carinhoso com Virgínia, despudoradamente cochichava no seu ouvido:
- Seus seios ainda estão duros, Virgínia! Você não envelhece e ainda continuo te querendo.Quando foi a primeira vez que dormimos juntos? Quando será a última?
George continuava segurando o braço da mulher enquanto o marido atrás esperava a sua vez de lhe dar uma palavra.
- Ele está desnorteado...
Falou Helen em voz baixa a Vitório, para justificar a atitude do pai.
- É isso mesmo... courage... meu querido.
Disse Vitório quase que empurrando Virgínia para o lado.
- Obrigado....
- Quando você soube?
- Silvino me telefonou.
- Já a viu?
- Não, ainda não..
- Você acredita que ela tenha posto fim a vida?
- Não, não! Nunca!
- Então você acha que foi assassinado?
- Não sei... assassinato? também não sei... quem poderia ter motivos para matar uma mulher tão encantadora?
- Pelo menos umas cem pessoas...
Disse Virgínia, deixando escapar um sorriso, reprovado por todos.
Corte:
- Foi ela que meteu a bala nos cornos.
Disse, do outro lado da sala, um baixote conhecido pela alcunha de Meia Dose que estava a tudo observar.
- A bala foi no coração e não na cabeça querido. Não seja cruel.
Disse a mulher que estava sentada numa poltrona.
George a todos observava. Ao seu lado Helen.
Um homem, se aproxima da mulher sentada na poltrona, com um copo na mão cheio de uísque .
Nadir serve uísque a vontade.
Texto Off (Maciel): De todas as pessoas que aqui conheci, ninguém se interessava tanto pelo que acontecera à dona da casa, quanto aquela mulher: Márcia Matos. Mulher temida, capaz de maquiavélicas intrigas, destruidora de reputações e de lares. Diabólica, “ um compêndio vivo da maldade” .
Nadir serve um uísque ao baixote Meia-Dose:
- Por favor, meia dose... obrigado doçura!... No coração, na cabeça ou no traseiro, seja onde for, garanto que foi ela mesmo quem puxou o gatilho. Andava baratinada, vivia na bolinha pra dormir, pra acordar, pra comer, soube que ela tomava mais bolinha do que o Lilico toma uísque.
Lilico da um risada cínica.
- Meia Dose, você só sabe das coisas a metade... esta casa hoje vai estar cheia.
Lilico olha para Márcia e sai andando até a porta, por ela vem entrando Lulu, logo atras Norminha e um pouco depois o intelectual Rogério Almeida. Todos se cumprimentam na sala e juntos com Lilico formam um outro grupo.


Seqüência 26 - Interior -Manhã.

No quarto de Giulia o perito Seixas está sentado na cama ao lado do corpo. O delegado Lobão está de pé ao seu lado. Seixas depois de apalpar uma protuberância e observar uma diminuta cicatriz perto da virilha no corpo inerte, olha para o delegado, que se aproximando diz:
- Será um aleijão? Câncer? .... Que é que é Seixas? Esquisito, não é? ... Que que há, Seixas?! ... Diga! ...
Som e imagem de alguém tentando abrir a porta.
- Não deixe o Xavier entrar agora.
Disse rápido o perito a Lobão. O delegado vai até a porta e diz algumas palavras para o Xavier, que, pelo ombro do delegado, tentava ver o que estava acontecendo. O delegado fecha aporta com chave e volta já questionando o perito Seixas:
- Então Seixas? Você acha que é algum defeito de nascença?...
O perito esboçou um sorriso e disse:
- Examine mais de perto Lobão e veja...
- Esquisito, não é? o negócio tem cicatriz, fizeram uma operação nela! Mas pra que, pergunto eu? Pra quê?...
- Ela, não: ele. Fizeram uma operação nele.
- Como assim?
- Não era uma condessinha: era um condezinho.
- Não é possível!! Essa não! ... E agora? ...
- Não vamos fazer nada. Vamos continuar os exames.
- Seixas, você tem certeza? Tem certeza de que ela, quero dizer, ele, de qualquer maneira, você tem certeza que houve mesmo esta operação? E se tiver sido outra operação?
- Que outra operação?
- Um câncer, por exemplo!
- Dr. Lobão! Não sou médico, embora entenda de medicina.
- Nem eu.
- Isto é uma cicatriz de mudança de sexo. Não seria conveniente ouvir agora o depoimento do Dr. Matoso, delegado Lobão?


Seqüência 27 - Interior - Manhã

Na garagem do grande jornal está Maciel com o delegado Fortunato.
Maciel anda nervoso de um lado a outro do carro da polícia:
- Foi a filha daquele velho que encontramos lá no barracão, onde o Chicão estava escondido: foi ela que me deu o serviço. A mulher é cozinheira da tal italianinha. Que é que você acha? ...
- Não acho nada... estou escandalizado... é inacreditável! ...Será que esta dona não estará inventando coisa? Será que ela não tem alguma intenção?
- Intenção? Que intenção?
- Tumultuar o caso, salvar a pele do Chicão. Diga, você está acreditando nesta história?
- Bem, ela falou com segurança de não deixar dúvida.
- Sei não, parece forte demais...
- Sabe o que ela me contou? Sabe? Que a patroa corria atras dele.
- Essa agora, então, nem em cinema!
- Mas estou dizendo, homem: pela alma da minha mãe! Como é que você ainda pode duvidar?!
- Bem, meu amigo Fortunato, tenho que voltar para o meu computador e ainda tenho um longo texto para redigir e... se você não se importa, você tá com a vida ganha e eu tenho que trabalhar...
- Espere ai, sujeito ingrato, te trago uma bomba e você recusa?
- Não estou recusando nada! Estou só querendo mostrar a você...
- Mostrar nada! Você não consegue ver, como é que quer mostrar? Eu é que posso te mostrar alguma coisa, se quiser.
- Mostrar o quê?
- Não sei não...
- Vamos lá Fortunato mostre logo...
- Que é que você acha?
- Vai mostrar, você é meu amigo.
- Bom, você diz isso agora. Depois vai me esquecer e me meter o pau no seu jornal.
- Esquecer? Nunca! Pode mostrar. Prometo não esquecer.
- Então...
O delegado Fortunato retira do seu bolso uma foto e mostra para Maciel. Em menos de um segundo ele seqüestra, num lance rápido, a foto da mão do delegado.. Maciel ficou paralisado pelo impacto que a cena lhe causou.


Seqüência 28 - Interior -Manhã

No quarto de Giulia, o delegado vai até a porta e faz entrar o Dr. Matoso. Permanecendo o comissário Xavier de vigia para não deixar ninguém entrar.
Seixas que está de pé, ao lado da cama, é quem inicia a conversa:
- Dr. Matoso, vamos entrando. O senhor se chama Dr. Matoso, não?
- P.P.Matoso...P.P. Matoso
Repetiu, ficando na ponta dos pés.
- Não quer se sentar, doutor?
O outro fez apenas um sinal de recusa com a cabeça. O perito Seixas ocupava parcialmente a visão do Matoso em relação a Giulia e aproximando-se mais, pergunta-lhe de supetão, brincando com a lupa, batendo-a em sua mão:
- Sr. P.P. Matoso: sua ex ... quero dizer... a vítima, era viciada em entorpecentes?
Seixas afasta-se da frente do arrogante Dr. Matoso que pode assim apreciar Giulia, totalmente despida, com a calcinha presa nos seu delicado pé.
- Bem, nós não estávamos casados há alguns anos.
- Doutor, não temos outro interesse a não ser descobrir a verdade...
- Se fosse assim, não era preciso levar tanto tempo. Parece-me que há outros interesses aqui.
- Por exemplo...
- É o que eu gostaria de saber. Estou certo que algumas altas autoridades deste país também gostariam. E virão a saber, isso prometo...
- Um momento, doutor: nosso interesse é só descobrir a verdade.
- No ano que vem...
- Bem, doutor, será que pode responder a minha pergunta: a vítima era viciada em drogas, entorpecentes? ...
- Se estou sendo submetido a um interrogatório, vou exigir a presença do meu advogado! E, se pensa que pode montar um circo aqui, asseguro que o palhaço não serei eu!
- Não doutor, são só alguma formalidades, logo estará tudo acabado.
- Não podemos continuar aqui a vida inteira.
- Dr.Matoso, o senhor está fugindo da minha pergunta.
- Vocês é que não estão entendendo: Giulia de Montechiaro era uma pessoa muito sensível, seus pais morreram misteriosamente, sim, os dois simplesmente desapareceram e ela foi criada por duas velhinhas aristocráticas de Milão, na Itália... Bem mas nada disso interessa aos senhores.
- Não, não, interessa sim. Por favor, continue.
- Bem, o que eu sei de sua infância não é lá muita coisa, mas foi uma infância infeliz, profundamente infeliz, sem os pais, cuidado por duas senhoras que faziam-lhe todas as suas vontades, todos os seus gostos, todos os seus caprichos. Era um verdadeiro reizinho, quero dizer: uma verdadeira princezinha.
- O senhor não precisa se confundir ou querer evitar o assunto: nós já sabemos de tudo...
- Voltemos a história doutor.
- Bem, foi uma infância muito rica e ao mesmo tempo muito infeliz...
- Dinheiro só traz preocupações...
- Continue, doutor, continue.
- estávamos só querendo deixar o senhor a vontade.
- Só a conheci anos mais tarde, quando Giulia já vivia no Brasil. Já não estava mais casada ... mas, não cabe a mim falar sobre isso...procure o Senhor George. Ele está aqui... quer que eu vá chamá-lo?
- Um momento...
- Sim!?
- Antes de sair, o senhor poderia responder a minha pergunta? Ela era viciada em drogas?
- Sim, acho que se pode dizer que sim...
O Dr.Matoso sai do quarto com a cara fechada e da um esbarrão no comissário Xavier.
- Que isso doutor, está nervoso? ...


Seqüência 29 - Interior - Dia

Jorge tenta, saindo do quarto, achar um telefone na cozinha: acha e liga para o jornal, a demora para atender e o barulho de alguém se aproximando, faz com que ele volte para o quarto. Alguém mexe na maçaneta tentando abrir a porta. Jorge levanta-se e fala:
- Nadir, Nadir, você está aí?
Nadir abre a porta dizendo:
- Você está louco! Você ainda está aqui?
Jorge tenta abraçá-la, sem dar resposta.
- Se encontram você aqui dentro, estamos perdidos!
- Por quê?
- O Silvino vai acabar desconfiando...
- De quê? Quem é o Silvino?
- É o secretario de Dona Giulia. Está lá fora dando chiliques. Parece uma mocinha.
- Quem está aqui na casa?
- Um monte de grã-finos.
- Quanto tempo você trabalha aqui?
- Há um ano, mas já pensava em ir embora..
Nadir tranca a porta com chave.
- A sua patroa era ruim para você?
- Dona Giulia? Não, coitada, ela era boa, os outros é que não prestavam.
- Os outros? Que outros?
- O Silvino, o Dr.Matoso: esse é o fim. Nunca vi homem tão chato! O Dr. George? Esse, era menos arrogante, também era estrangeiro, era fino. Depois, além desses grã-finos, Dona Giulia ainda foi arranjar um tal de Chicão. Aí foi o fim.
- Chicão?! Que Chicão?
- Um crioulo enorme, marido da cozinheira...
- Quer dizer que sua patroa e o negão estavam mandando brasa?
- Cheguei a encontrar ele dormindo lá, no quarto dela! Imagine!
- E ela? Não achou ruim. Não quis mandar você embora?
- Ela também estava dormindo. Ela tinha um negócio de dormir... ficava as vezes tão diferente. Os dois passavam horas, as vezes dias, deitados.
- As pessoas sabiam desse envolvimento dos dois?
- O estrangeiro sabia, o Dr. Matoso ela conseguiu tapear, ele nunca viu o Chicão aqui.
- O estrangeiro sabia o que havia entre o Chicão e a mulher?
- Uma das vezes que os dois estavam dormindo lá em cima, ele foi lá e viu tudo.
- Quer dizer que a italianinha que era um estouro andava com o cara da cozinheira? Que coisa!
Jorge agarra Nadir e os dois se beijam.
Passa um tempo, alguém volta e passa a chave na porta e começa abrir.
Jorge, num salto, põe-se de pé afastando-se de Nadir. A claridade ofuscava-lhe a vista.
- Ora trancar a porta numa hora dessas! Essa menina não toma jeito.
- Silvino!
Gritou a copeira-arrumadeira Nadir, vendo na porta do seu quarto o secretário da patroa.
- Silvino, esse é o moço da farmácia...
- É?!
- Estava gripada e ele veio me aplicar uma injeção.
- Veio... não diga! Aonde?
- É verdade. Juro!
- Ele já vai embora?
- Juro por tudo quanto é mais sagrado, Silvino! Você não acredita em mim?
- Claro que eu não acredito, sua mentirosa! Pensa que sou um idiota?
- O que você quer?
- Não quero nada. Quem vai querer, agora mesmo, é a polícia, ela é quem está querendo saber uma porção de coisas...
- Ele é meu primo...
- Estamos perdendo tempo...
- Eu sou repórter...
- Ah, repórter disfarçado de empregado de farmácia, no quarto de empregada: muito bonito Dona Nadir!
- Sou repórter e vim aqui apurar o que aconteceu para o meu jornal. Ela não sabia de nada, fui eu que inventei tudo e ela acreditou.
- E por que é que o senhor não foi ainda embora?
- Já estou de saída, só queria me despedir ...
- Agora o senhor não vai a lugar nenhum sem antes resolvermos essas pendencias. Saiu do quarto puxando Nadir pelo braço e trancou a porta com chave deixando o repórter lá preso.


Seqüência 30 - Exterior - Dia

Texto off: - Podia-se ouvir os sinos da Igreja de Ipanema quando o relógio moderno da cozinha marcava 9.00 horas daquele domingo nevoento de agosto. Chuviscava na praia onde pequenos grupos de pessoas e automóveis se movimentavam com lentidão denunciando a ocorrência anormal: todos olhavam para o terraço do edifício.
- Menina, acho que essa história que a italiana morreu é pura promoção, está rolando lá em cima é uma festa, não pára de chegar gente, todos alegres e muito bem vestidos, é uma festa não tenho dúvidas.
- Daqui a pouco eu também quero subir para festa...
- Alguém já a viu?
- Será que não vão deixar a gente vê-la?
- Ela está em trajes menores...
- Quem foi que disse?
- Ela está só de calcinha...
- Como é que você sabe?
- Se digo, você pode acreditar, já moro por aqui no prédio vizinho a mais de dois anos, moro na cobertura e sei de tudo o que acontece naquele apartamento.
- Você a viu?
O rapaz não responde e sai em direção da praia.
- Este pessoal acha que todo mundo é otário, se eu tivesse um lugar privilegiado, como ele diz que tem, eu cobraria o ingresso e ainda alugava o binóculos...
- Toma vergonha marmanjão, pra chegar na cobertura é preciso primeiro passar pelo primeiro andar e você ainda nem saiu do térreo...
Todos riram da observação da dona gorda carregando um guarda chuva e uma cesta com compras. Ela faz a observação e segue o seu caminho. O jovem espera ela dar alguns passos e sai com essa:
- Saiam da frente que vai passar um piano velho...
A senhora ouve o comentário do rapaz e vira-se para traz com o guarda chuva para o alto, ameaçador, dizendo:
- Você toma cuidado rapaz que este piano velho pode vir a tocar e ainda fazer muito barulho.
Neste momento desce de um carro, com motorista, Belisário, o Bili, assessor do presidente. Desce do carro e vai até a portaria. Todos que ali estavam, vêem o Bili conversando com o policial Boneco. Só depois do porteiro usar o interfone o policial permite que ele entre no elevador.


Seqüência 31 - Interior - Manhã

A sala do apartamento de Giulia estava cheia. Lilico está reunido com um grupo de pessoas. Quase Todos bebem seus uísques e a conversa parece animada:
- É uma mulher sinistra esta Márcia, agora pratica a profanação de cadáveres, passou da antropofagia à necrofagia, é de dar frio na espinha. Brrrr...
Diz Lilico, teatralizando para Lulu.
- Fale baixo, respeite os mortos: Lilico não é hora de palmatória; é hora de velório
- Velório?! Isto aqui não é velório, isto é um festim pagão!
- Lilico fecha esta boca. Vai acabar mordendo a língua.
Nadir passa com outra rodada de uísque.
- Foi um suicídio ou foi um homicídio? Eis a questão.
- Se foi suicídio ela deve ter deixado uma carta... um bilhete, sei lá! Um aviso.
- Nada disso é garantido. Uma pessoa pode deixar uma carta e nem por isso e garantido que tenha se matado espontaneamente.
- Vocês já imaginaram se não foi suicídio?
- Se não deixou um bilhete, quer dizer que alguém meteu bala na nossa Giulia? Mas quem?
- Quem, quem? Eu é que não fui...
Disse Lulu assustada.
- Você jura? Jura sobre a Bíblia? Podemos ficar tranqüilo?
- Ora, Lilico, deixe de brincadeira... aposto que você sabe quem é o assassino.
- É claro que sei: foi o urubu de saia que está ali na nossa frente e que agora se delicia com este apetitoso banquete.
- Posso apostar que você tem a solução do caso.
- Não aposte Lulu, meu amor, nunca aposte coisa alguma em que esteja metida a Márcia. Esta mulher é capaz de tudo.
A porta da casa é aberta por Nadir e por ela entra, em primeiro lugar, o janota do Bili, tímido com a casa cheia de pessoas desconhecidas, fica parado com sua pasta ao lado da porta, logo atras dele entra um homem, de meia idade, que se dirigiu inicialmente para o grupo da Márcia. Lulu, que a tudo observava, diz meia assustada:
- Olha, É o Mário! Meu marido.
Mário cumprimenta as pessoas, da alguns passos e fica parado no meio da sala, com a cabeça abaixada, como que se estivesse rezando.
Lulu vendo seu marido, foi ao seu encontro. Tomando-o pelo braço e puxando-o para o seu grupo. Mas, junto com ele veio Márcia, que se aproximou de Lilico, dando o rosto para ser beijada.
- Que grupinho mais simpático!
- Darling, você é ainda casada com aquele inglês? Não! Não é possível um mulher tão bonita como você pertencer ao reino da Inglaterra, é muita, muita falta de patriotismo.
- Que dia terrível, terrível! Lilico ainda estou tonta, perdida, com o que aconteceu.
Silêncio:
- Vocês sabiam que há apenas uma semana pus os pés nesta casa pela primeira vez? Saibam vocês que depois de anos e anos de mal entendidos e maledicências , eu e a pobre Giulia havíamos finalmente nos aberto uma com a outra. Ainda anteontem dormi aqui! E ontem tínhamos falado três vezes ao telefone. Não, não pude perceber nada, nada mesmo que pudesse me levar a pensar no que iria acontecer!


Seqüência 32 - interior - Dia

No quarto de Giulia estão o perito Seixas e o delegado Lobão:
- Delegado Lobão, você deveria ouvir agora o depoimento do Senhor George Taylor, ele já está no apartamento...
- É claro, está lá em baixo, vou chamá-lo.
Quando o perito Seixas ficou só, resolveu agir rápido, fazer um exame melhor do ambiente, antes que o delegado Lobão voltasse. Começou pelo armário, examinou roupa por roupa, ao fechar a porta de correr, coberta de espelhos, levou um susto: um gato pula de dentro do armário sobre ele fugindo para o terraço. Seixas, que com o susto abaixou-se, viu a imagem de um diminuto objeto negro, caído no chão e escondido entre os pêlos grossos do tapete. Curvou-se, tomou-o entre os dedos e pôs-se a examiná-lo, mais perto da luz, da parede envidraçada que dava para a praia nevoenta lá fora. Olhando para o objeto negro concluiu:
- É um bago de feijão...


Seqüência 33 - Interior - Manhã

Na garagem do jornal o velho e calejado repórter de polícia Maciel recebe de volta a foto lhe arrancada anteriormente. Na sua frente, com um sorriso de triunfo e a calva reluzente, estava o delegado Justiniano Fortunato.
- Não é possível!! É impossível!! Isso é impossível! Isso é uma fotomontagem, uma brincadeira, não pode ser verdade! Não pode.
- Você está vendo, não é fotomontagem: é um instantâneo.
Maciel dá um sorriso para o comentário do delegado.
- Calma aí Fortunato! Você há de convir que a italianinha com o Chicão é uma bomba... uma bomba atômica!
- Veja bem. Repare como ela está encostada no crioulão. Veja só como o cafajeste está até indiferente! Negro filha da puta. Quando eu te pegar você vai ver o que é bom...
- Espere aí: reparou como a italianinha aqui mais parece um rapazinho do que uma mulher? Reparou bem?
- É a roupa que ela está vestindo, estas ricaças só gostam de vestir roupa de homem.
- Quer dizer que foi a empregada da italianinha quem lhe deu essa foto?
- Maciel, aquele velho do barraco é um safado, ele precisou levar muito corretivo para soltar a língua...
- Mas, e a empregada?
- Estava lá também! No barraco!
- Estava no barraco?! Por que?!
- É a filha do velho...
- Filha do velho?
- E amante do Chicão.
- Não é possível!
- Estou dizendo. No morro todo mundo sabe.
- E ela estava no barraco durante aquela blitz?
- Estava! E se duvidar, devia estar trepando com Chicão.
- Quando você descobriu?
- Invadimos o barraco e ela estava lá, você não viu por que quase morreu de susto com o negão em cima, atirando por todos os lados... É, você é um homem de sorte!
- E ela foi logo dando o serviço?
- Ela achou que na delegacia a gente ia matar o velho... e me pediu uma conversa particular... Tive que levá-la para a minha sala.
- Aí você deu-lhe uma cantada e ela entregou a fotografia.
- Quem dera! Quem dera! Quem dera que fosse tão fácil.
- Que bomba Fortunato. Por mim sairia na primeira página da edição da tarde. Mas este pessoal, estes jovens cheios de teoria, acham que no jornal a primeira página é dedicada a política, aos ministros, ao presidente, no máximo uma deslumbrada qualquer de biquíni. Acham que polícia não vende jornal...
- Você me dá cobertura e que eu te dou? Primeira página! A boca dele chega a aguar!
- Quer dizer que a italianinha tomou o homem de sua cozinheira? Será possível? É sensacional!
- Foi ela quem disse. Ela está muito despeitada com a tal da italianinha.
Neste momento chega um contínuo do jornal apressado.
O delegado Fortunato tira a foto da mão de Maciel que fica sem saber o que fazer.
- Com licença ...
- O patrão está no telefone. Quer falar com você e diz que é urgente.
- Espera aí!
Reclamou Maciel vendo o delegado guardando a foto no bolso do paletó.
- Fortunato! Deixe a fotografia comigo.
- Hoje a noite! Depois que pegarmos o bandido, eu te dou para publicar no jornal de amanhã, junto com a matéria da morte do Chicão.
Dizendo isso entra no carro da polícia e, dando um sorriso para o Maciel, arranca cantando os pneus.


Seqüência 34 - Interior - Manhã

O velório se transformava aos poucos em uma festa.
A sala do apartamento de Giulia está cheia de pessoas que conversam alto.
O uísque corria solto. Acabava de chegar mais uma pessoa.
Uma das rodas comenta o recém chegado:
- Está chegando Dino, o maior pintor deste quintal d’ américa. Não sei o que a morte de Giulia pode afetá-lo; já fez fortuna; no começo viveu para o que pensava ser arte pura; viveu mal. Depois que fez o retrato de Giulia, a sorte bateu na sua porta e dizem até que os dois tiveram um romance...
- Caso entre os dois? Só se for entre as duas. Osvaldino Ferreira não é homem, isso eu posso garantir...
Disse Meia Dose para lilico. Todos sorriem com discrição. Dino se aproxima.
- Conversamos ontem pelo telefone, ela parecia tão animada! Dizia que ia comprar uma casa em Teresópolis.
Disse Dino com lágrimas nos olhos.
- Você esteve com ela?
Perguntou Lilico.
- Não, há algum tempo que a gente não se encontrava.
- Daqui a pouco podíamos almoçar no Country.
Comentou Meia-Dose.
- Não saio daqui por nada neste mundo. E depois o scotch não está mal.
Disse Lilico com sarcasmo.
- Gente: ninguém aqui tem coração. Todo mundo bebendo, se divertindo e a pobrezinha lá em cima.
Choramingou Lulu.
- Divertindo, nem tanto. Bebendo sim.
- Ninguém pensa nela?
- A culpa não é de ninguém, meu amor, Giluia tinha horror de cemitério, gostava era disso mesmo: gente bonita, gente inteligente, reunida, conversando, vivendo enfim...
- Vou sair daqui. Vocês não respeitam nem os mortos!
Lulu saiu, com o copo na mão e foi se unir a um outro grupo onde estava Márcia e Norma. Lilico foi atrás dela e chegando no grupo diz para as duas:
- Estávamos perguntando lá atrás, quando Lulu nos abandonou, com quantos homens dormiu a nossa querida Giulia? Qual o seu palpite?
- Deixe de frescura, mulher: responde. Seu marido entrou na roda ou não?
- Por ele teria entrado. Mas acho que não teve chance.
- Que tal passar esta noite comigo?
Disse Lilico se encostando nela.
- Que falta de respeito, meu Deus!
- O pintor ali, seu amiguinho, andou ou não com ela?
- Pare com essa maldade toda Lilico, parece que você está com diabo no corpo.
Lilico não teve dúvida: caminhou até o pintor, pegou-o pelo braço e trouxe-o até junto do grupo.
- Olha aqui, mestre pintor: estamos numa dúvida que só você poderá esclarecer.
- Pode mandar.
- Vou embora daqui.
- Agora você vai nos contar tudo.
O grupo inteiro se aproximou do pintor.
- Dino, conte só pra nós aqui, que não contamos pra ninguém: você dormiu com Giulia?
- Sim.
- Dormiu! Ele dormiu! Viva!
- Que que tem dormir? Vocês conhecem coisa mais pura?
- Essa é boa: quando a gente dorme, pelo menos não pratica o mal.
- Você então dormiu com ela, não foi?
- Da mesma maneira que poderia dormir com você também.
- Alto lá! Comigo não! Comigo não!
O escritor Rogério de Almeida levanta-se e pega Dino pelo braço, afastando-o de Lilico e tirando-o dessa roda viva. Lilico fica furioso.
- Ora bolas, que desrespeito, vamos nos afastar um pouco desse baixo astral.
- Ah, ele fala! Quer dizer que não é um criado mudo.
- Criado mudo e a sua mãezinha.
- Você é criado mudo e seu amigo uma bichinha louca! está bem?!
- Que é isso?! Que é isso, santo Deus?! Um comício contra nós, que mania de perseguição! Deixe a gente em paz!
Entra Silvino na sala impondo respeito. Todos ficam em silêncio. As conversas voltam ao tom normal.


Seqüência 35 - Interior - Manhã

O delegado Lobão sobe com o Senhor George, o estrangeiro, a escadaria que leva ao quarto de Giulia. Pela primeira vez fazia um silêncio sepulcral.
No quarto de Giulia o perito Seixas olhava para o misterioso feijão, que colocou logo no bolso, quando o delegado Lobão abriu a porta, George entrou atrás e vendo o corpo desnudo de Giulia, ficou um pouco parado, em silêncio. Fechou os dois punhos, rodeou a cama, tombou a cabeça, curvou-se lentamente e beijou a face morta.
- Doutor, o senhor compreende, precisamos fazer algumas perguntas.
- Bem... às suas ordens.
- O senhor não quer sentar?
- Obrigado. Se os senhores não se importam, também eu gostaria de fazer algumas perguntas.
- Pois não, à vontade.
- Os senhores pensam que foi suicídio?
- Bem... o senhor compreende...
- Tiro no coração, não foi? Soube também da arma, uma beretta?
- Sim...só falta os exames para comprovar, o senhor quer ver a arma?
- Não será preciso, conheço-a. Fui eu quem a deu de presente.
Virando-se para o perito Seixas que estava calado diz:
- O senhor já formou alguma opinião?
- Não. Mas, se já tivesse formado opinião, o senhor fique certo de uma coisa: não lhe diria qual é. Afinal, estamos aqui para ouví-lo e não para sermos ouvidos pelo senhor.
- Gostaria só de um último pedido: posso cobrir o corpo de Giulia com um lençol?
- Sinto muito, mas preciso ainda fazer um exame circunstanciado.
- Muito bem. Estou às ordens.
- Doutor, o senhor compreende, temos que cumprir nossa obrigação.
- Posso fumar?... Quer?
- Não fumo, doutor. Quero dizer: fumo de vez em quando. Mas vou aceitar. É estrangeiro?
- Aceita?
- Obrigado, não fumo.
- Não se incomoda que fumemos?
- Você não fuma, Seixas?
- O senhor conheceu a vítima quando e onde?
- Em Roma, na Itália, há uns quinze anos atrás. Isto é, conheci sua família dois anos antes, em Milão. Morava com duas damas, com quem eu tinha negócios. Naquele tempo, era uma criança, ou um pouco mais que isso.
- Já tinha feito a operação de mudança de sexo?
O delegado Lobão deixou o cigarro cair no chão e ficou preocupado em apanhá-lo, para evitar um incêndio.
- Ainda não, a operação foi feita dois anos mais tarde, quando decidimos casar. Não forcei nada. Tudo partiu dela, ou dele, se fizerem questão.
- Não, não fazemos. Suas relações continuaram boas mesmo após a separação?
- Perfeitas. Sempre fomos excelentes amigos...
- O senhor sabe quando a vítima adquiriu o vício em drogas?
- Eu não diria que Giulia fosse uma viciada... era um hábito esporádico, mais uma obrigação social, eu diria...
- Como o senhor tem?
- Perfeitamente: como eu tenho. E como todo mundo tem, creio...
O delegado Lobão, atônito, logo rebate o estrangeiro:
- Todo mundo não! Vê lá...
- O senhor saberia dizer os motivos que a vítima tinha para se entregar ao uso de drogas?
- Dificuldades financeiras?...
- Ela recorria ao senhor eventualmente?
- Sim. Sabia que podia contar comigo.
- Mesmo depois de voltar a casar?
- Bem, Pepe era muito ciumento. No início, praticamente proibiu que Giulia e eu tivéssemos qualquer contato. Uma tolice...
- O Dr. Matoso parece homem rico.
- E é. É muito rico. Mas o senhor sabe que ninguém passa atualmente por facilidades financeiras. Os tempos estão difíceis
- Bom, mas não a ponto de se querer meter uma bala no peito.
- Não, acho que não.
- Ela tinha alguma dificuldade de ordem sentimental?
- Bom, havia problemas...
O delegado Lobão que estava colocando um cinzeiro para o Dr.George foi detido no seu movimento com o pronunciamento do estrangeiro.
- Como assim, problemas?
- Bem, Giulia ultimamente dava-se com pessoas estranhas...
- Estranhas? Por exemplo?
- Bem, eram tipos de baixo nível. Eu mesmo não entendia. Estava tão mudada...Talvez fosse conseqüência das drogas.
- Sim, talvez... o senhor conhece alguma dessas pessoas?
- Bom, havia um negro, um verdadeiro marginal...Encontrei-o aqui mais de uma vez.
- Sabe o nome dele?
Lobão levantou o cinzeiro e ficou de boca aberta esperando a resposta do estrangeiro.
- Era conhecido por Chicão. Um marginal, me disseram.
Silêncio:
Seixas e Lobão ficaram paralisados. George foi quem quebrou o silêncio:
- O senhor pensa que foi homicídio ou suicídio?
- E o senhor: que é que o senhor acha? Acredita que tenha sido suicídio?
- Não, não creio em suicídio.
O estrangeiro, para espanto do delegado e do perito, apagou o cigarro, ergueu-se, acertou o paletó e encaminhou-se para o corpo da vítima. Curvou-se sobre o corpo despido de Giulia. O delegado seguira-o intrigado. Seixas também se moveu do seu lugar. O estrangeiro apontou o ponto escurecido onde penetrara a bala que matou Giulia:
- Veja, a bala penetrou na parte inferior do seio esquerdo, logo o tiro foi desfechado da direita para a esquerda, não?
- O tiro foi desfechado à queima-roupa. Não foi Seixas?
- Certo!
- Certo, certo. Eu estou certo que Giulia não se matou!
- E por que, pode nos dizer?
- A bala entrou da direita para esquerda: isso não se discute, não?
- Certo!
- Então não foi disparada por Giulia. Nunca!
- Giulia era canhota...
Comentou o perito Seixas olhando para o delegado.
- Certo! Ela era canhota!
Confirmou George.
- Bem, doutor o senhor tem certeza que ela era canhota?
- Absoluta!. O senhor não acha que neste caso está afastada a hipótese de suicídio?
O estrangeiro afirma ao delegado e pergunta ao perito que concorda:
- De fato...
- Você acha mesmo Seixas?
Perguntou o delegado.
- Sr. George, o senhor sabe que tipo de droga a vítima usava?
- Desculpe-me....
- O senhor conhece feijão? Bagos de feijão?
- Um pouco...
- Será que poderia... o senhor saberia identificar que tipo de tóxico é este?
George se aproxima estendendo a mão para apanhar o grão, enquanto o delegado Lobão deixa o cigarro cair no chão novamente.

Seqüência 36 - Interior - Manhã

A sala estava comportada depois da briga entre Lilico e Rogério Almeida. Lulu se aproxima de Rogério:
- Vem cá, Rogério. Vamos tomar um uísque... vamos sentar ali.
- Que é que você sabe?
- O que você quer saber?
- Ela deu um tiro no coração?
- Foi o que me disseram também.
- Quando você a viu pela última vez?
- Na noite passada estivemos juntos.
- Na noite passada! Então foi pouco antes dela morrer.
- Não diga em voz alta, se não a polícia vai pensar que eu a matei! Fale baixo!
- Vocês estiveram juntos onde?
- Aqui mesmo.
- E você não notou nada de diferente nela? Como ela lhe pareceu?
- Muito bem. Divina, como sempre!
- Muito bem?
- Talvez um pouco preocupada, tristonha, deprimida, talvez...
- Mas o que ela disse para você achar que ela estava tristonha?
- Perdida em seus pensamentos, parecendo repetir alguma frase, falou: “Já pensou: e se a noite não amanhecesse?”.
O Dr. Matoso que estava parado em frente da escadaria aproxima-se de Helen e pegando-a pelo braço com certa impaciência diz a ela:
- Helen, veja se tem gente lá no escritório. Afaste todo mundo de lá. Preciso dar uns telefonemas.
Helen preocupada dirigiu-se ao escritório. Sentado numa poltrona, estava Meia Dose com seu copo na mão. De pé, folheando um álbum, estava Lilico.
- Dois homens juntos?! Que é que vocês estão tramando?
- Estamos tramando a maneira de conquistar a mulher mais bonita do Rio de Janeiro...
- Por que Lilico? Não tem mais nenhuma que você não tenha conquistado?
Ela se aproxima sinuosa para perto de Lilico.
- Você continua boa, hein Helen? Qual é o segredo?
Lilico foi abaixando a mão que tinha posto no ombro de Helen, movimentando-a com pressa, à procura da carnação mais farta. Ela esquivou-se, mas Lilico, segurando-lhe o braço, trouxe-a para mais perto do seu corpo.
- Você é uma galinha, Helen!
Helen vira-se de lado, pega no braço de Lilico e Meia-Dose.
- Muito bem meus dois cavalheiros, agora os senhores vão sair comigo daqui, Pepe precisa vir aqui dar uns telefonemas.
-Ué! Pode vir. Quem o impede de vir?
- Da minha parte ele pode vir e telefonar até para o Papa.
- Vamos Lilico, vamos lá fora, não seja tão cabeçudo!
- Cabeçudo porra nenhuma. Estou muito bem aqui, numa reunião de família, por que haveríamos de partir? Tolice...
- Venha, eu vou com você...
Disse-lhe Helen puxando ele pelo braço.
- Para a minha casa?
Na porta os três se encontram com Pepe:
- Salve, salve, querido Pepe. Estamos saindo para deixar o campo livre.
- Obrigado...
O Dr.Matoso caminha para o telefone.
- Pepe eu sei quem matou a Giulia!
- Como?...
- Você não sabe? Pensei que também soubesse.... Ora, foi o Silvino! Crime passional....
Lilico saiu, levado por Meia-Dose, rindo despudoradamente. Helen volta para o escritório e fecha a porta.
- Cafajeste! Cretino!...
Disse o Dr.Matoso entre os dentes. Helen se aproximou dele:
- Não se aborreça, é um cafajeste, não ligue...
- Helen, vou precisar dar uns telefonemas...
- Quer que eu tranque a porta?
- Não, acho melhor você esperar lá fora.
- É segredo?
- Tolice. Não tenho segredos para você.
Matoso largou o telefone, sentou-se na poltrona, acomodou-se, deu um suspiro e olhando a chuva lá fora disse:
- Que maçada!...
Helen se aproxima dele tentando mudar o clima
- O que é que os homens dizem lá em cima?
- Nada. O que é que podem dizer? São uns incompetentes.
- O que eles estão fazendo?
- Não dizem nada e não fazem nada.
- Já sabem quando ela morreu?
- Não sabem nada e se duvidar, sabemos mais do que eles.
- Não interrogaram você?
- Interrogaram! Fizeram mil perguntas idiotas!
- Não se aborreça.
- O que será que eles querem com papai? George está lá até agora?
- Pois é: seu pai é um santo...
- O que te perguntaram? Desconfiam de alguma coisa?
- Que coisa?! Desconfiam de tudo e de todos. Até de mim eles desconfiam.
- Desconfiam de você? Mas ela não se matou?
- Isso é o que você diz.
- Acreditam então na hipótese de ser assassinato?
- É um absurdo
- Quer dizer que eles suspeitam até do meu pai?
- Do teu pai, de mim e até do Papa.
- Estão interrogando papai?
- Seu pai é um santo!
- Mas é um caso simples de suicídio, não houve briga, nada foi roubado, a arma foi encontrada do lado do corpo, não vejo como pensar em outra hipótese. É tão claro!
- Claro pra mim, pra você. Escuro para os dois idiotas lá em cima.
- Incrível! Qual será o motivo?
- Sei lá! Você acabou de ouvir o imbecil do Lilico fazendo piada: cafajeste, brincar numa hora dessas!
- Vão interrogar todo mundo?
- Se forem, não terminam hoje, nem amanhã.
- Vamos ficar aqui o resto da vida?
Helen vai até a janela e respira fundo.
- Acha que me ouvirão? Vão querer me interrogar?
- Por quê? Para quê? ...
- Chéri, vou sair um pouco, estou me sentindo abafada aqui dentro.
Helen sai e Matoso tranca a porta voltando correndo para o telefone.
Corte:
Helen fica por alguns segundos encostada na porta.


Seqüência 37 - Interior/ Exterior -Manhã

Maciel abre a porta da sua sala e entra na redação:
- Martins! Vem cá! Preciso de você.
- Sim chefe. As ordens...
Texto em Off de Maciel sobre imagens : - Pegue o carro e vá imediatamente cobrir o caso da italianinha morta em Ipanema. O Cabeleira foi e está desaparecido. Vai e volta com as fotos que quero abrir manchete na edição da Tarde. E veja se traz uma notícia nova. Procure lá o Boneco, fale em meu nome, mas tudo muito rápido, não podemos atrasar essa edição....
O carro do jornal chega em frente ao prédio de Ipanema e logo o fotógrafo vem correndo ao seu encontro, entrando no carro ainda em movimento.
- Espere aí, espere aí!... Não mandaram outro fotógrafo? Que gracinha e essa?
- Maciel mandou eu vir saber o que que há.
- O que que há? Estou cheio. Os caras pensam que vou ficar aqui a vida inteira, é? São muito engraçadinhos?
- E o Cabeleira?
- Deu no pé. Ele não é otário. Otário aqui só o papai, continua firme no ponto, tomando chuva, sem comer, desde as sete da manhã neste marasmo...
- Encoste o carro aqui nesta esquina...
- Quer que eu espere?
- Acho bom...
- E eu? Que é que o palhaço aqui vai ficar fazendo? Coçando o saco?
- Acho bom você vir comigo.
- Pra quê? Estou aqui a três horas, já bati três rolos de filme, e nem um cafezinho, é mole? Não chega?
- Bom, o Maciel disse...
- O Maciel que vá se foder!
O repórter Martins sai do carro e vai ao encontro de outros jornalistas que estão parados em frente do prédio, o Boneco está na portaria fazendo pose.
Corte:
Jorge, o Cabeleira, está trancado no pequeno quarto. Anda de um lado a outro.


Seqüência 38 - Interior - Manhã
No quarto de Giulia, o delegado e o perito apreciam o bago de feijão preto entre os dedos polegar e indicativo da mão esquerda do estrangeiro, que apagou o cigarro, pegou o seu óculos de grau no bolso do paletó, colocou-o no rosto, aproximou-se mais da porta envidraçada e fez com a mão direita uma espécie de taça e com os dois dedos da mão esquerda apertou, para espanto do perito e do delegado, o grão preto, que se quebrou num estalo seco. De dentro saiu um pó branco e o estrangeiro aparou-o com a mão direita. Tomou uma pitadinha e pôs na língua. Disse uma só palavra:
- Heroína.
- Heroína? Dentro do feijão? E você quebrou ele?
- Não havia outra maneira!
- Um bago de feijão! Como é que pode?
- Não é um processo muito novo.
- Sim? ...
Disse o perito interessado no assunto. O estrangeiro continua:
- Já li a respeito de casos semelhantes. É um meio que os contrabandistas empregam para burlar a polícia.
- Sim!...
- Mas doutor o senhor acha possível colocar heroína em um grão de feijão?
- Não é bem um grão de feijão: é uma imitação perfeita que quando é quebrado transforma-se na mais fina heroína.
- Não diga doutor!
- O senhor leu o que a esse respeito?
- Li que uma partida relativamente grande tinha sido apreendida, no México, procedente de Tanger, no Norte da Africa, era destinada aos Estados Unidos. Foi apreendida porque os fiscais estranharam a remessa de feijão para o México: O México é a terra do feijão!
- Eu gostaria que o senhor colocasse esse pó que está em sua mão ali no envelope para futuro exame.
O estrangeiro vai com cuidado pegar o envelope, mas sofre um tropeço e para se segurar, abre a mão que continha a heroína, perdendo-a.
- Desculpe delegado, mas não foi minha culpa .
- Bem, acho que no momento, podemos dispensar o senhor George, você não acha Lobão? Ele já nos prestou uma ajuda valiosa.
Lobão olhava boquiaberto o perito e o estrangeiro.
- Você não acha Seixas que deveríamos pedir mais esclarecimentos?
- Por mim estou satisfeito. Acho que deveríamos chamar agora o Silvino!
- Bem, estarei lá em baixo caso precisem de mim.
Dizendo isso o estrangeiro abre a porta e sai.
Do alto da escada ele vê o movimento dos amigos de Giulia na sala.
A primeira pessoa a ver George no alto da escada foi o seu assessor Bili. Ele sobe as escadas correndo. No alto diz com a voz ofegante:
- George, vim o mais rápido que pude. A entrevista com o Ministro foi marcada e ele já está lhe esperando. Está tudo bem?...
- Está tudo bem Bili. Você fique por aqui. Tome um uísque, converse com alguém, divirta-se... desculpe-me.
George desce as escadas seguido por Bili. No último degrau estava Norminha. George passa por ela com um aceno de cabeça. Quando Bili passa, ela agarra-o.


Seqüência 39 - Interior -Manhã

Lilico e Meia-Dose caminham pela sala. Quando Lilico olha para onde está Norminha e Bili, não resiste:
- Quem é aquele janota que está conversando com Norminha, minha musa do verão, sabe Meia que eu seria capaz de me casar com esta mulher, cama, comida e roupa lavada.
- Olha, o que você faz por Norminha eu faço pela Lulu.
- Lulu, essa mulher, tem cara de quem acaba de sair da cama.
- E a outra, de quem está indo?
Lilico dá uma sonora gargalhada. Todos olham para ele.
- Esta Lulu fez tamanha plástica que até a bunda ela levantou...
- Era o único ponto fraco que ela tinha, agora está perfeito.
- Essa mulher não tem idade?
Lilico pega no telefone que fica na sala. Meia-Dose fica vigiando.
Lulu e Rogério vêem os dois no outro lado da sala.
- Lilico é tão grosso?
- É o homem mais grosso que eu conheço.
- Eu tenho uma coisa importante para te contar.
- Pode dizer Rogério.
- É que eu pedi a Giulia que se casasse comigo.
- Quer dizer que vocês dois...
- Foi loucura minha, ela me queria bem, mas não para casar.
Helen afasta-se da porta do escritório e caminha até Lilico que está ao telefone. Assim que ela chega, ele desliga o telefone, fala alguma coisa, abaixa-se e tenta beijar os seios dela. Ela afasta-se na direção de Rogério e Lulu que observavam a cena.Lilico volta ao telefone. Helen fala para o Rogério:
- Lilico hoje está impossível.
- Acho que a gente devia ir almoçar. Senão isso vai acabar num porre monumental.
Helen vira-se e olha para seu pai George que está próximo. Sai ao seu encontro.
Formava-se do outro lado da sala um grupo composto de mais pessoas. Entra pela porta social o colunista Fabrizio Damasceno.
O Casal Virgínia e Vitório comandam a cena do maior grupo que estava na sala. Nadir passa servindo mais uma rodada de uísque. Vitório pergunta para Nadir:
- Em vez de uísque, tem sherry?
- Sim! Vou trazer para o senhor.
Virgínia falava para Norminha e Márcia.
- Morrer desse jeito...Quem podia imaginar, morrer desse jeito...
- De que jeito você preferia que ela morresse? Querida Norminha.
- Até que este não deve ser dos piores, é pelo menos indolor.
- Pior de tudo ainda é essa história de inquérito, investigação, interrogatórios. É o inferno.
- Alguém me chamou?
- Acaba de chegar ao grupo quem faltava: Fabrizio Damasceno.
- Digo também que é um inferno, pronto.
- É esse ambiente de morte, o cheiro da morte, isto me deixa em alguns momentos sufocada.
- A morte não me sufoca. O que me sufoca é a vida.
- Lá vai o Silvino, para o quarto de Giulia, ter uma conversa com a polícia...
- Este interrogatório não vai acabar tão cedo e estou ficando com uma fome danada.
- Os mortos não precisam comer, mas nós estamos vivos...
- Vivos e bêbados...Que horas são?


Seqüência 40 - Interior - Manhã

No relógio da redação do maior jornal do país os ponteiros marcavam 12 horas.
Maciel está sentado numa mesa acompanhado do fotógrafo que havia trazido as fotos.
- Sou um escravo! Está na hora do meu almoço. Ainda bem que você me trouxe as fotos, mesmo sem a matéria do Martins eu fecho a edição da tarde.
- E o seu jovem repórter de polícia, deu notícia?
- Não me fale do cabeleira, se pego esse cara hoje, arrebento! Irresponsável!
- Hoje está todo mundo dando no pé. Nós não vamos almoçar não chefe?
- Eu vou, mas você fica aqui para atender o telefone. Depois que eu voltar você vai. Tudo bem Cabeça-Chata?
Corte:
- Bife arroz e feijão, é todo dia a mesma comida, vocês precisam variar um pouco. Me traga uma cervejinha bem gelada.
Aproximou-se da mesa, onde Maciel almoçava, o repórter esportivo do jornal.
- Foi a tal italianinha que acertaram?
- Foi...
- Conheci ela.
- Puxa! No duro?! E Não diz nada para gente! Dá o serviço, vamos!
- Bem, conheci de vista..
- Sem essa! Eu tenho que comer.
- Ela ia a praia no mesmo lugar que eu ia. Cheguei a falar com ela duas ou três vezes...
- Sim, continue...
- Era estrangeira, notei logo pelo sotaque. Uma vez ela estava conversando com o maior crioulo! Fiquei besta!
- Com um crioulo?! Onde?
- Na praia, ora.
- Você sabe há quanto tempo foi isso?
- Foi a uns quinze dias.
- E você não viu eles dois ultimamente?
- Ela não. Mas ele...
- Fale, homem: vamos!
- Foi outro dia mesmo...
- Que dia?
- Anteontem!
- Tem certeza?
- Posso levar a comida? O senhor não comeu? Quer outro prato?
- Não, pode levar, perdi a fome. Vê se lembra do dia certo: vamos!
- Foi ontem, agora tenho certeza, era tarde da noite, tomava um chope com uns amigos quando passou por mim uma moreninha de fechar o transito. Segui ela até o edifício bacana, com porteiro e tudo mais, ela entrou e eu fiquei ali de bobeira quando de repente eu vejo o negão, na maior calma, entrando pela garagem.
- Você viu o mesmo crioulo da praia entrando ontem a noite no edifício? Isso é fantástico.
- Maciel...
- O que aconteceu?
- O Patrão quer falar com você lá em cima.
- Mande o patrão ir tomar no cú...

Seqüência 41 - Interior - Dia

O Perito Seixas está olhando pela janela envidraçada quando batem na porta. Entra o delegado fechando a porta. Seixas sai da janela e pegando um lençol cobre o corpo de Giulia.
- O Silvino está aqui!... O que você está fazendo Seixas?...
- Estou querendo evitar uma nova cena do tal de Silvino. Vamos ter de cobrir o corpo assim mesmo; já enrijeceu... Requiescat in pace.
- O que?
- Bom descanso.
- Estou ficando com fome.
- Podíamos de fato irmos embora.
- Não é mesmo?
- Depois de ouvirmos o Silvino, vamos pensar nisso.
- Chamo o Silvino?
- Por favor.
Quando o delegado abriu a porta, Silvino ficou parado olhando a cama onde estava coberto o cadáver de Giulia.
- Meu Deus !
- Suba e venha até aqui.
- Ai, meu Deus!
- Vamos, rapaz, deixe de coisas! Ande, estamos com pressa!
- Sim senhor.
A algazarra lá em baixo aumentava de volume.
- E essa gente, pensam que estão numa festa?
- O senhor tem razão...
- Quando você descer mande todos para casa.
- Sim senhor... Posso ir?
- Um momento. Há quanto tempo trabalha nesta casa?
- Há mais de três anos. Ela já tinha se separado do Dr. Matoso...
- Os dois mantinham boas relações?
- É claro, foram casados...
- Da mesma forma com o senhor George?
- Claro! O senhor George também a adorava, como todo mundo.
- Os dois maridos eram amigos?
- Claro! São gente civilizada. Só bicho se estranha.
- Quais eram os maiores amigos de Giulia?
- Todo mundo a adorava.
- Cite alguns..
- Eu! Eu a adorava mais do que todos!
- Você sabe quem esteve aqui ontem?
- De tardinha o escritor Rogério Almeida.
- E há que horas saiu?
- Não sei, pois quando eu sai, as sete da noite, ele ainda estava conversando com Dona Giulia.
- Agora responda com toda franqueza: você sabe quem fornecia tóxico a sua patroa?
- Tóxico? Depois querem que a gente não se ofenda.
- Vai me dizer que não sabia que sua patroa consumia tóxico? Está bem! Pode ir agora. Logo mais talvez queiramos ouví-lo de novo.
Silvino se aproximou da porta de saída e antes de descer as escadas, voltou a olhar mais uma vez para a cama:
- Ah, meu Deus, como este mundo é injusto!

Cartela
Tarde
Segundo Movimento
“Adagio afetuoso”


Seqüência 42 - Exterior - Tarde

Maciel estava sentado no bar do português que ficava perto do jornal. De lá, podia-se observar o entardecer na baia da Guanabara. Uma baia diferente, vista de um novo ângulo, mais pré-histórica, menos conhecida. Maciel, que ainda toma o seu café, conversa com o jovem repórter de esporte:
- Quando subirmos, eu vou estar com o diretor e você fique na minha sala me esperando... Preciso de sua informação, ela é muito importante. Está bem? Vê lá!
- Maciel, você tem a volúpia do sensacionalismo!
- “É um sentimento bordejando o orgasmo” - disse-me uma vez o escritor e jornalista José Guilherme Mendes.
- Ele tinha razão!
- Um bom crime, um grande crime, para ele, era o que tivesse sangue combinado com sexo e dinheiro. Se, a tudo isso, fosse acrescentada uma pitada de mistério, então era a própria felicidade, o gozo pleno quase. Este crime, meu jovem jornalista, é uma bomba que pega de Ipanema à Penha. Vai fazer tremer a cidade... Vamos subir. Deixa que eu pago... Olha, não demoro, tenho que preparar a edição de amanhã: é quando a bomba vai explodir... Me espere!...



Seqüência 43 - Interior - Tarde

Nadir está na cozinha preparando mais uma rodada de uísque quando entra Silvino esbaforido. O relógio marcava 14.00 horas.
- Eu não agüento mais! Esta gente só quer ir embora depois de ver a Condessinha... Nadir! São duas horas e não comemos nada?... Chega de uísque, por hora, vamos dar de comer a quem tem sede!... Peça ao Antônio, no Country, que traga aqui comida para esse batalhão... estrogonofe com arroz e batata! E muita água mineral! Me parece que a ressaca vai ser grande... Ah, Giulia! Esta vai ser a nossa última festa..
Silvino senta-se na cadeira, abaixa a cabeça sobre a mesa da copa e, antes de começar a chorar, olha para Nadir que está no telefone. Silvino levanta-se enxugando as lágrimas e sai para a sala. Nadir desliga o telefone e vai até o seu quarto.
Corte:
Um ruido de passos despertou Jorge. Ele se aproxima da porta. Alguém estava do outro lado. Jorge começa a chamar baixinho e depois vai aumentando a sua voz até Nadir abrir a porta:
- Nadir? ... Nadir?
- Cale a boca, menino!
- Abra a porta. Nadir, por favor... Não agüento mais ficar aqui.
- Espere, menino; fique calado. Não faça barulho.
Ele estava ansioso para sair... mas, quando Nadir abriu a porta, em vez de Jorge sair, ela que entrou, num salto, para dentro do quarto, trancando a porta novamente.
- Silêncio!
Jorge de ansioso, ficou excitado e agarrou Nadir.
- Fique quieto, se você quiser sair daqui.
- Já não quero mais! ...
- Vou abrir a porta e, se tudo bem, se não tiver ninguém, você se manda! Tá certo?
- E você? ...
- Olha, menino! A casa está cheia de polícia. Estou muito nervosa... Portanto, vai embora pelo amor que você tem à Deus! ....
Com a mesma agilidade que entrara, Nadir saiu. Jorge ficou só mais uma vez. Num impulso de sobrevivência, de um salto, Jorge sai do apartamento, está na área de serviço.


Seqüência 44 - Interior - Tarde

O delegado Lobão e o perito Seixas observam a chuva fina que caia nesta tarde. O delegado virando-se para o perito:
- Essa gente não vai embora? ...
O perito ficou calado.
Súbito, ofegante, o Dr. Matoso apareceu na escada de ligação entre os dois pavimentos do apartamento.
- Que história é essa?! Onde já se viu um absurdo desse?! Os senhores nos fazem esperar um tempo enorme e agora querem nos fazer sair como se fôssemos moleque! - Essa é boa.
Disse baixo, quase rindo, o perito Seixas. O Dr. Matoso, furioso, vira-se para o delegado e diz:
- Seu chefe quer falar com o senhor!
- Meu chefe?
- Sim, seu chefe. Está no telefone. Quer lhe dizer uma palavra.
Dr. Matoso deu meia volta e desceu as escadas. Lá fora, ainda nas escadas, grita para o delegado:
- Delegado! E então? O senhor não vai querer fazê-lo esperar, vai?
O delegado, depois de perceber que realmente o telefone lhe chamava, sai do quarto apressado. O perito Seixas não contém o riso.
Corte:
O delegado está solícito ao telefone e por ele passa Lilico acompanhado por Meia-Dose. Lilico toma o último gole do uísque, coloca-o numa mezinha e caminha em direção de Norminha. Pegou-a pelo braço sem dizer uma palavra, estava inquieto.


Seqüência 45 - Interior - Tarde

Encaminhado pela secretária, Maciel está na porta do diretor do maior jornal do país.
- Entre Maciel. Fique à vontade. Há quanto tempo você não vem aqui me visitar?
- Que isso, Dr. Justiniano! Na semana passada estivemos todos reunidos na redação, não se lembra mais?
- É claro, Maciel. Fique a vontade... Me fale a respeito deste triste acontecimento, que consternou a todos nós, a morte da condessa Giulia de Montechiaro.
- Doutor Justiniano a morte dela é uma bomba atômica; ha possibilidade de ser um assassinato! Torna-se, com as evidências que vem nos chegando, o caminho a ser seguido pela investigação... policial e jornalística! ...
- Calma, Maciel. Este assunto tem de ser tratado com a máxima cautela, ele envolve amigos e pessoas ligadas a mim e ao jornal. Além do mais, este escândalo pode ter repercussão de ordem até política, o que neste momento de crise não seria nada conveniente. É preciso examinar tudo muito detidamente.
- Nós, então, seremos furados na notícia por outro...
- Nada! Nem uma vírgula, sai sem eu ter conhecimento!
- Mas,... sairá em toda imprensa! Somos os primeiros a ter as informações mais relevantes do caso, graças aos meus contatos com a polícia, temos até uma fotografia dela com um marginal chamado Chicão. Mas, desta maneira, seremos furados. E o que adianta esconder o que todos vão saber?...
- Fique mais tranqüilo Maciel, não é o fim do mundo e não seremos furados, ninguém vai furar ninguém...
- Dr. Justiniano, assim não venderemos e não seremos mais o maior jornal deste país!
- Olha Maciel, este jornal só é grande porque respeita seus amigos e também não vejo interesses em arrastá-los pela rua da amargura só para vender mais exemplares.
Maciel, faça-me um favor: Traga-me tudo que diz respeito ao caso. Isso é tudo.
- Sim senhor!... Vamos cometer um grande erro...
- Maciel!
- Perderemos a credibilidade...
O Dr.Justiniano, voltando a escrever e sem olhar para o jornalista, manda ele se retirar com um simples gesto de mão. Maciel, com a cara fechada, sai e fecha a porta.


Seqüência 46 - Interior - Tarde

O delegado Lobão entra no quarto de Giulia. Parado na porta, ele fala:
- Sabe o que o Matoso queria, Seixas?... Queria que fossemos embora, liberássemos o local e desse tudo por encerrado... Essa não! Comigo não! Falei com o chefe, expliquei para ele que houve um homicídio aqui e não podemos liberar o corpo sem as formalidades legais.
- Quer dizer que eles vão embora?
O delegado vai até o corpo coberto de Giulia e retira o lençol que cobria o seu rosto.
- Que é isso, Lobão?
- É essa gente lá embaixo, esses grã-finos de merda fazem questão de ver a vítima: disseram que não saíam sem ver a vítima, veja só! Fiz um trato com o Matoso...
O comissário Xavier aparece na porta do quarto e faz um gesto de indagação. O delegado vira-se para Xavier e ordena:
- Xavier, mande mais um homem pra cá e diz ao Dr. Matoso que podem vir, em grupo de dois ou três no máximo.
Corte:
Lilico ao lado de Norminha e de Meia-Dose olha com desprezo para Matoso, acompanhado do comissário Xavier, que diz para todos as recomendações do delegado:
- Vamos subir em grupo de três, um de cada vez...
- Já estou cheio. Quer saber de uma coisa? Não sou necrófilo, nem papa-defunto, vamos cair fora! ...
Lilico puxa Norminha pelo braço e entra com ela no escritório do apartamento. Meia-Dose entra com eles fechando a porta com chave.


Seqüência 47 - Exterior - Tarde

Na rua, em frente do prédio, os comentários das pessoas que estão ali paradas, chegam alguns ao drama e outros à comédia. Uma representação do absurdo. Aos poucos o enquadramento da cena vai se deformando conforme os comentários das pessoas-personagens.
- O que está acontecendo?
- Uma italiana, deu um tiro na cabeça.
- Paixão não correspondida?
- Estava com câncer; preferiu morrer.
- Não! Estava fazendo regime para emagrecer e abusou... enlouqueceu!
- Perdeu todo o seu dinheiro no jogo...
- Uma dona soube que ela estava com o marido dela: sentou-lhe três tiros.
- Ela era uma vigarista, morreu aspirando gás...
- Não... foi formicida...
- Uma condessa italiana? Puro veneno.
- Não era condessa nem aqui nem no Japão...
- Era uma viciada. Morreu mesmo de indigestão.


Seqüência 48 - Interior - Tarde

Nadir prepara a farta mesa de almoço à americana.
Conforme os convidados vão saindo da visitação ao quarto de Giulia, pegam os prato e servem-se do strogonoff de galinha do country. Todos comem em silêncio.
Corte:
Lilico tira a roupa de Norminha e a sua também. Meia-Dose, bebendo o seu uísque, observa a cena. Alguém tenta abrir a porta. Estava fechada a chave.
Corte:
Jorge está descendo com cuidado as escadas de serviço quando ouve um barulho de porta se abrindo. Esconde-se. De um dos apartamentos sai um homem alto, negro, com um saco de lixo na mão. Jorge, ao ver que ele viria para seu encontro, sai de seu esconderijo, passa por ele correndo escada abaixo e num impulso tenta abrir a porta de um apartamento, que não está fechada...Entra, fecha a porta e encosta nela, como se protegesse do misterioso homem. Suando frio, leva um susto terrível quando uma mão, também negra, pega no seu ombro. Ele vira-se, pronto para brigar, quando vê em sua frente uma mulher gorda, velha e negra, com um pano colorido na cabeça. Ela pergunta para ele:
- Você é da farmácia? O comandante Pêra, está lhe esperando.


Seqüência 48 - Exterior - Tarde
No morro da Rocinha, num barraco perdido, dorme Chicão. Deitado na cama, a arma ao lado do corpo, junto da mão, já engatilhada. Chicão recorda de como chegou até ali.
Flashs: Chicão fugindo da perseguição policial dando tiros para todos os lados. Andando pela cidade a noite. Num mictório sujo de um bar, recarrega a sua arma automática e lava o rosto. O encontro com sua mulher Marlene, a cozinheira de Giulia, que leva-o até o barracão onde ele se esconde.
Fusão:
Chicão, de um salto, levanta-se. Toma um gole da água da bilha que está em cima de uma caixa de madeira, vai até a portinha tosca da entrada e, através de frestas, pode ver a tarde morrendo. Ouve-se uma música vinda do barraco: é de um rádio de pilha que está no chão ao lado da cama. Entra no ar o noticiário da tarde. Chicão faz um comentário falando baixo e colocando o rádio no ouvido.
- No morro, quando a notícia é delito, aumenta-se o rádio, assim o morro inteiro fica sabendo o que aconteceu com o vizinho...
Locutor off - som de rádio: - ... O perigoso traficante Francisco de Jesus, mais conhecido como Chicão, conseguiu escapar mais uma vez ao cerco da polícia esta madrugada, quando abriu fogo contra o grupo que foi caçá-lo no barraco onde se escondera. A polícia espera prendê-lo nas próximas horas... e agora a última notícia: ainda não se tem confirmação se a conhecida figura da society carioca, Giulia de Montechiaro, foi assassinada ou se matou. A famosa italianinha foi encontrada morta em seu apartamento com um tiro no coração...
Chicão prestava atenção, os olhos arregalados. Estava atordoado, como se tivesse acabado de levar um soco.
- Tenho que sair daqui! Filhos da puta! ...


Seqüência 49 - Interior - Tarde

Maciel andava vagarosamente pelo corredor do grande jornal. Estava cabisbaixo, o rosto murchado como casca de fruta exposta à inclemência. Ao chegar na redação já o chamavam:
- Maciel! Telefone! É o delegado Fortunato!
- Não estou! Estou na sala do patrão... Não quero atender ninguém.
- Ele está insistindo, diz que é negócio urgente!
Ele continua no caminho até a sua sala se responder.
Entra na sala e dá de cara com o magricelo repórter esportivo que está a sua espera.
- Pode sair ...
- Que é que houve?
- Pode sair, depois conversamos...
Maciel senta-se em sua cadeira põem o pé na mesa e fecha os olhos.
O magro repórter da seção esportiva saiu danado da vida. Sai falando sozinho:
- Que piada... me tranca como um cachorro e depois me solta sem dizer uma palavra...
Maciel parece dormir.
Fusão:
Chicão está com a arma engatilhada apontada para o seu rosto.
Corte:
A porta da sala do editor de polícia é aberta pelo contínuo, o mesmo, tímido, amedrontado, que o fora chamar no restaurante, mal conseguia pronunciar o nome:
- Maciel... Maciel!
- Que é?
- Estão chamando no telefone.
- Quem é?
- É o Martins... diz que é urgente.
- Pergunta o que é. Diz que não posso atender e anote o recado... Faça-me o favor de tornar a fechar a porta quando sair, ouviu?
O contínuo sai sem tirar os olhos do Maciel.


Seqüência 50 - Interior - Tarde

Jorge está assustado e de frente para uma negra gorda:
- O que foi meu filho, está assustado?
Ela pegou na sua mão, fechou a porta e levou ele para dentro.
Jorge se deixou conduzir.
Na copa, ela tirou um vidro da geladeira e lhe deu um copo de água. Jorge bebeu com sofreguidão.
- Mais? ...
- Não! Obrigado, senhora.
Entram então até a sala, onde está sentado, numa grande mesa, um velho uniformizado com as calças de pijama listrado.
Ao ver o garoto dá um sorriso e pergunta:
- É da farmácia? ... Trouxe as seringas?
Jorge mostra as seringas.
- Muito bem!
O velho senhor levantou-se e arriou as calças, mostrou-lhe a sua bunda branca, flácida, enrugada, pronta, em posição para ser aplicada uma injeção. Ele diz sorridente, olhando de lado para Jorge:
- Pronto, meu filho?
Jorge, vendo aquela cena, com fome, assustado, desmaia.


Seqüência 51 - Interior - Tarde

Lilico abre a porta, sai para a sala acompanhado de Meia Dose e Norminha.
Vendo o banquete sendo servido, sem cerimonia alguma, fura a fila, pega o prato e serve-se a vontade.
Com os outros já servidos, os três vão se juntar a um pequeno grupo.
Os últimos a se servirem foram o perito Seixas e o delegado Lobão.
A conversa foi tomando corpo e em pouco tempo, em todos os grupos formados, falava-se simultaneamente.
O escritor Rogério Almeida:
- Ontem quando a vi, ao anoitecer, no living, linda como sempre, senti a mão do destino tocando no meu ombro.
O pintor Dino:
- Lá em cima deitada, o rosto sereno, Giulia mas parecia um quadro de Carpaccio: estava dormindo, não estava morta.
O perito Seixas:
- Quando é que eles vem buscar o corpo?
O delegado Lobão:
- Já foram avisados!
Márcia:
- Alguém vai abrir a porta?!
Lilico:
- Não saio do meu lugar...
Matoso:
- Cafajeste!
Helen:
- Não tenho medo de ninguém!
George:
- É preciso ter cuidado...
Bili:
- O ministro está lhe esperando presidente!
Norma:
- Eu posso ir com você?
Virgínia:
- Nada mais me espanta neste caso.
Vitório:
- O que me espanta, é você!
Fabrízio:
- No fundo, era uma grande mulher.


Seqüência 52 - Interior - Entardecer

- Era uma boa mulher... filhos da puta! Não precisava morrer...
Dizia Chicão, enquanto andava no barraco, de um lado à outro, quando alguém bate na porta do barraco.
- Chicão, Chicão, abre... Sô eu, o Raimundo. Abre... Raimundo, o Pirulito...
- Quem é Pirulito?
- Sô eu ome! Abre logo!
- Vai andando que não tem ninguém aqui chamado Chicão.
- Olha aí, preste atenção: está me ouvindo?
- Vai andando, já disse!
- Chicão, tão fechando o morro, os ome tão vindo pra cá...abra logo esta porta! Preciso te falar, daqui a pouco tu não tem mais saída...
- Que homens? Vai andando, já disse!
- Eles vão te pegar...
- Ninguém me pega,
- Pega sim, abre que quero te ajudar.
- Vou abrir, mas vê lá! A bichinha está apontada para a sua cabeça. Bobeou, te esfrio.
- Tu tá como o diabo gosta!
- Chega de conversa: que é que você quer, meu chapa?
- Eu, hein? Sô o Pirulito, seu camaradinha. Não me conhece mais?
- Sei não, está diferente, engordou...
- É a cerveja. Olha na luz, sô eu mesmo, o Raimundo, ome!
- Ta certo! ...É você.
- Os omes já sabe onde tu está - tão pra chegar a qualquer momento.
- Aqui? Neste Barraco?
- Aqui, não sei. Mas já sabe que você tá na Rocinha...
- Quem é que te disse? Como é que você sabe?
- Todo mundo sabe. Já tem malandro fechando a boca.
- Quem te contou?
- Ué, um cara lá na birosca. Olha! Preste atenção! Não vê o silêncio lá fora? Todo mundo deu no pé. Tá todo mundo se mandando.
- Que silêncio qual nada! Vai logo dizendo o que você quer.
- Tô querendo só ajudar.
- Por quê?
- Um dia tu me ajudou também. Não lembra? Tava sem emprego e doente não fosse aquele dinheiro que tu me deu, já taria morto...Eu não esqueço...
- Bem, não me lembro...
- Vamos nos mandar!
- Se mandar pra onde cara?
- São João de Meriti; conheço gente lá.
- Prefiro morrer aqui!
- Então pra outro lugar, o que tu não pode é ficar aqui.
- E cair na boca do lobo? Aqui é o morro, aqui estou protegido.
- Então vamos pra outro morro, onde ninguém te conhece.
- Esta bem... então vamos para o Cantagalo. Você sai na frente, veja se está tudo limpo, que eu saio atras...
- Vamos, venha depressa, ta tudo limpo...
Corte:
Diante do edifício 333 da Av. Vieira Souto os automóveis ainda se detinham ou diminuíam a marcha e seus ocupantes ficavam a olhá-lo querendo ver algo, descobrir alguma coisa.
Corte:
A tarde morria inapelavelmente no Rio de Janeiro. Na redação do maior jornal do país chegavam os jornalistas das seções de esporte, economia, política, os funcionários, etc, animando o ambiente. Algumas luzes são acesas. Maciel continua na sua sala com os pés em cima da mesa.


Seqüência 53 - Exterior - Entardecer

Na sala do velho uniformizado, já vestido com a calça de pijamas listrados, Jorge está desmaiado.
- Nossa Senhora! Moço, que aconteceu? Levanta, machucou-se?... Como você está branco, meu filho! Altina, Altina! Corre até aqui depressa!
- Que que foi seu Pedro? O moço escorregou?
- Escorregou nada, desmaiou! Vamos, faça alguma coisa...
- Fazer o que?
- Traz um copo d’ água!
- Mas ele tomou água agora mesmo.
- Ele está voltado a si: o que houve, meu filho?
- Desculpe: não sei o que houve. Acho que desmaiei.
- Não é nada, meu filho.
- Não sei como aconteceu...
- Você costuma ter desses desmaios? Tive um amigo que teve uns desmaios e quando foi ao médico, já era tarde, estava pra morrer...
- Seu Pedro! Está querendo matar o rapaz de susto! Que conversa mais boba, cruz credo!
- Meu amigo era mais velho... Que idade você tem?
- Vinte e cinco.
- Você comeu alguma coisa que lhe pode ter feito mal...
- Mas eu ainda não almocei: quero dizer...
- Altina! Ele não almoçou. Prepare alguma coisa para ele comer.
- Quer um omelete de queijo?
- Não precisa se incomodar. Eu já me sinto melhor.
- Vamos, Altina, anda com essa omelete... Ela é lá de Minas e por isso é muito devagar... muito matuta.
- Primeiro sou fluminense e segundo não sou mineira...
- Alto lá! Sou mineiro e não sou matuto.
- Mineiro é matuto e paulista é jeca-tatu.
- Mineiro é caipira e paulista é mocorongo.
A mulher negra de pano colorido na cabeça serve a omelete.
- Está aí. Não vai queimar a língua!
- Isto é modo de servir alguém?
- Eu sou cozinheira, não sou copeira.
- Não repare nesta mulher, meu filho.
- Seu Pedro, se o senhor ta com pena do moço, dá a outra seringa para ele...
- Obrigado general, o senhor foi muito gentil, não lhe machuquei quando a agulha quebrou?
- Espero que o dono da farmácia não vá lhe cobrar...
- Não tem importância ... E já estou indo...
- Espere aí, é verdade nós temos uma seringa novinha aqui em casa, vou buscá-la para o você me aplicar outra injeção...
- Seu Pedro! O moço saiu correndo que nem doido pela cozinha, parecia ter visto uma assombração, cruz credo!


Seqüência 54 - Interior - Entardecer

Na sala do apartamento de Giulia, Lilico coloca o prato na mesa e sai ascendendo um cigarro. Depois de dar um forte tragada, fala para Meia Dose com a fumaça misturada as palavras:
- Tão importante quanto o cigarro depois... da comida, é o cochilo, o repouso do guerreiro.
- E depois da comidinha, outra comidinha?
- Cadê Norminha? Cadê?
- Meia Dose... Alguém te chama pelo teu verdadeiro nome?
- Claro!
- E você não acha ruim?
- Norminha você sabe o nome do Meia Dose?
- Eu não!
- Mercrédio Djacir!
- E isso é nome?
- Esta é fantástica. De onde saiu isso?
- Olha! Sempre que olho para aquela escada vejo Giulia descendo maravilhosa.
Flash:
Giulia descendo a escada.
- Deixa pra lá Lilico! Vamos deixar os mortos em paz: eles não reclamam, não chateiam ninguém.
- Qual a diferença entre os mortos e os vivo?...
- Não suporto história de assombração, fico sempre apavorada...
Corte:
Em outro grupo está George, Helen, Matoso e um pouco afastado Bili, com a pasta, o celular, que chama a toda hora, pronto para sair.
- Chéri, podíamos ir embora. Você parece cansado.
- E não era para estar? É de enlouquecer.
- E o enterro?
- Quem é que sabe?
- Amanhã, eu creio.
- O telefone não pára. Digo que nem você nem eu estamos...
- O que é uma loucura para um celular.
- Chéri, vamos!
- Nem pensar.
- Mas os dois idiotas já não tomaram o seus depoimentos? Para que ouví-los de novo?
- Não está claro que foi suicídio?
- Vão ouvir todos nós aqui presente?
- Somos todos suspeitos de um crime que não aconteceu.
- É uma loucura.
- Quer dizer que eles acham que não foi suicídio?
- Sim, acham. Você sabia que Giulia era canhota?
- Canhota?...
Corte:
Outro grupo, composto por Fabrizio, Rogério, Márcia, Dino, Virgínia, Vitório, Lulu, Mário, todos conversam, pode-se dizer, animadamente.
- Pelo barulho da carruagem ficaremos aqui a noite inteira...
- A noite inteira?
- Como uma noite de Reveillon.
- Só espero que o uísque não falte!
- Vão ser ouvidos todos?
- Todo mundo. É natural...
- Natural como, minha querida Virgínia? Você e o Vitório, por exemplo, para que a polícia há de ter interesse em ouví-los?
- Para nos prender, ora. Não vê que somos suspeitos?
- O Vitório mata e eu esfolo. Trabalhamos em dupla.
- É verdade, vocês não andam lendo a minha coluna ultimamente?
- Não responde, se não ele publica.
- Gente! Fica todo mundo brincando aqui, enquanto a pobre Giulia, coitada: ninguém parece lembrar mais dela?
- Um brinde para ela!
- Fabrizio! Não seja cruel, nem beber ela bebia!
- Fazia coisas piores...
- Virgínia, responda: Giulia se matou ou foi morta?
- Sempre dou minha opinião, não tenho medo de dar...
- Todos nós sabemos disso, minha querida.
- Acho que Giulia de Montechiaro não se matou...
- Foi morta, por quem? É a primeira pessoa que ouço falar isso.
- E vocês são da mesma opinião que Virgínia?
- Bem, confesso que ainda não pensei no caso, mas acredito mais em suicídio.
- Vocês também divergem, Lulu e Mário?
- Estou com Vitório embora sempre prefira estar com Virgínia... Mas acho que foi suicídio.
- E o Dr. Mário, como advogado, ele entende do assunto.
- Giulia era uma mulher forte, apesar de magra, tinha o tipo resistente, duro. Um assassino para dominá-la ia quebrar um bocado de móveis naquele quarto. Não havia nada quebrado, quando fomos lá ver o corpo e nem fora do lugar. E por último, que motivo teria uma mulher assim para si matar? Ela tinha tudo.
- Isso eu não concordo, Mário: motivos, a gente nunca sabe...
- Pois eu acho que ela se matou, tomou muita bolinha, descuidou-se com a arma e...
Silvino passa e todos se calam. Ele caminha até a cozinha, senta-se novamente na cadeira que fica na mesa da copa. Nadir aparece com um sanduíche na mão:
- Silvino, trouxe um sanduíche e um copo de leite para você.
- Obrigado, não quero.
- Você precisa comer...
- Não tenho fome. Só tenho vontade de morrer, de desaparecer...
- Não diga isso, nem de brincadeira. Deus castiga...Vamos, come!
- Para quê?
- Para se alimentar. Já são cinco horas da tarde.
- E você não vai embora?
- Não, ainda tenho trabalho aqui pra fazer...
- E essa gente não vai embora, eu não sei se vou resistir...Deus não pode existir!
- Por tudo quanto é sagrado Silvino, não fique assim...
- Nadir: acha justo? Responde: acha justo Deus levar Giulia e deixar tanta gente ruim aqui embaixo? Acha?
- A gente nunca sabe...
- Como a gente nunca sabe?! E você tem dúvida da injustiça que caiu por cima desta casa?
- Não sei, só sei que a culpa não é de Deus, só isso.
- Então de quem foi? Minha? Sua? De quem?
- De quem foi não sei...
- Você acredita que ela possa ter se matado?
- Estão dizendo que ela deu um tiro no peito.
- Quem?
- Todo mundo.
- Todo mundo quem? Fala menina!
- Ai, você está me machucando o braço Silvino.
- E você acredita nestes policiais?
- Eu, não sei de nada, sou só uma arrumadeira, mais nada.
- Nadir! Ontem quando você voltou, havia alguém aqui em casa? Diga com franqueza, pode me dizer sem medo.
- Cheguei depois da meia noite e fui até a copa para beber um pouco de leite e ouvi vozes na sala.
- E aí? Vamos, diga logo!
- Bem, primeiro ouvi a voz de Dona Giulia, ela falava com alguém, havia música, estava difícil de ouvir o que ela dizia, mas depois surgiu uma voz forte, meio zangada, de homem...
- Quem era Nadir? Quem era? Fale mulher...
- Era o Chicão.
- Só podia ter sido ele o assassino... ladrão, assassino! Por que você não me contou isso antes?
- Não, Silvino, não foi ele. Juro que não foi.
- Porque não foi?
- Havia outra pessoa, lá fora. Eles discutiam por causa desta pessoa, mas não pude perceber quem era. Ela estava zangada... Ai ouvi os passos de Chicão vindo em minha direção, em direção da copa. E ouvi claramente Dona Giulia gritar: Rua! Rua! Não apareça mais aqui...
- E ele?
- Saiu apressado, correndo até, e desceu a escada de serviço. Nem esperou o elevador... Foi embora e deixou Dona Giulia aqui viva. Não foi ele. Ela ainda veio atras dele e trancou a porta por onde ele saiu. Nem se ele quisesse poderia voltar..


Seqüência 55 - Interior -Entardecer

Maciel esta de novo na frente do diretor geral do maior jornal do país:
- Maciel, senta aí.
- O senhor mandou me chamar?
- Sim, sim, senta. Quer um cafezinho?.... Traga dois cafés, por favor. Então e o caso de Ipanema? Pegando fogo?
- Ainda não, mas está quente, muito quente.
- Qual é a última novidade?
- O delegado Lobão e o perito Seixas estão ainda reunidos com todos eles no apartamento da condensa.
- O corpo já saiu de lá?
- Ainda não.
- Por que esta demora?
- Vai se fazer autópsia?
- Sim, a morte não foi natural.
- Existe alguma morte natural, Maciel?
- A polícia acha que foi homicídio.
- A polícia não acha nada.
- Muito bem, e o tal Chicão, já descobriram onde ele está? Você ainda acredita no romance dele com a condensa? - Neste caso eu aposto uma garrafa de uísque!
- O negão amado pela mulher mais cobiçada do Rio de Janeiro? É isso?
- Isso mesmo!
- Maciel, quem pode acreditar numa coisa dessa?!
- Quem me disse foi o delegado que até foto dos dois tem.
- Amanhã tiram o seu retrato do lado da Rainha da Inglaterra e você passa a ser o tal?
- Não é a mesma coisa.
- Está certo Maciel, pode ir... mas não se deixe enganar... Faça as notícias passarem por minha sala.
Corte:
Seqüência 56 - Interior - Entardecer
Nadir sai da copa e vai para o seu quarto e no caminho e agarrada por Jorge que tinha voltado.
- Minha Nossa Senhora!
- Calma, Nadir! Sou eu, Jorge. Não grite.
- Você voltou?! Está louco, rapaz! Quer ser preso, é?
- Só quero te falar um minutinho. Depois vou embora. Prometo.
- Nem um segundo: tem de sair já. Está machucando o meu braço!
- Já vou. Antes, me conte: quem ficou com sua patroa quando o Chicão foi embora?
- O quê?
- Desculpe-me, mas cheguei a tempo de ouvir sua conversa com o Silvino. Não pude deixar de ouvir...
- Ouvindo conversa dos outro! Que papelão, hein?
- Não foi por querer...
- Muito bonito!
- Bom, agora me diga quem foi?
- Se ouviu tudo, por que fica perguntando?
- Você não contou tudo! Quem era essa outra pessoa?
- Sei lá! Se soubesse, diria. Não sei.
- Podia ser o estrangeiro?
- O Dr. George? Tenho certeza que não era.
- Se você não sabe quem era, podia ser ele muito bem.
- Tenho certeza!
- Por quê?
- Ele fuma sem parar e se fosse ele teria ponta de cigarro por tudo quanto é lado da sala.
- E não tinha? ... Ele poderia ter jogado fora pela janela...
- Não faria isso.. mas existe outras coisas...
- Outras coisas?
- Bem, você me jura que não vai escrever nada sobre isso? ...
- Juro, pode confiar!
- Olhe o que eu achei no sofá...
- Que isso? Feijão?
- Parece, mas não é... é seco e tem por dentro um negócio que parece sal...
- Que é isso?
- Sei lá! Esquisito ... feijão seco, com sal dentro...
- Deixa eu ver.
- Psiu! Vem gente...
Corte:
Lilico conversa com Meia Dose. Norminha está distraída paquerando Bili.
- Meia-Dose, qual era a sua relação com a morta? Sexuais?
- Quem me dera, Lilico.
- Homossexuais?
- Até que ela daria um condezinho apetitoso.
- Quer dizer que, se fosse homem, você toparia... revelação surpreendente. Que você acha Norminha?
- Estou com o Meia... Giulia ficava melhor como um rapazinho, mas apetitosa.
- E você, Lilico: dormiu ou não , alguma vez, com Giulia? Sim ou não?
- Sim e não.
- Não amola Lilico, responda a pergunta. Suas relações eram amistosas, inamistosas, afetuosas, íntimas: de que tipo eram?
- Tipo zero. Não existiam.
- Quer dizer que você está aqui só para beber o uísque dela, usar o telefone, sentar ou melhor deitar nas poltronas, comer e beber sem ser convidado? É o máximo!

- Não só isso, eu vim porque queria ver a decadência no meio da praia de Ipanema, uma mistura de tropicalismo e refinamento. Vim aqui, não para ver Giulia morta, mas os ex-maridos; a ex-enteada e hoje sua rival; Virgínia e Vitório, sempre indispensáveis; Fabrizio, nosso intrépido colunista; Rogério e Dino, a melhor expressão de nossa cultura; Lulu e Mário, a puritana e o puto ou ao contrario; vocês dois; enfim, todo este espetáculo fantástico que estamos vivendo neste domingo chuvoso que parece não ter fim... Mas, esta madrugada me deu vontade de ligar para a infeliz e atendeu o telefone um homem com um vozeirão de assustar. Um grosso, um boçal: disse apenas: Não enche, cara. Não enche! E desligou o telefone na minha cara. Até agora não entendi. Por isso vim aqui hoje de manhã.
Corte:
Bili se aproxima de Dino e Rogério que estão sentados numa grande poltrona de couro. Atras dos dois, na parede, um grande quadro à óleo de Giulia pintado por Dino.
- É você o autor desse maravilhoso retrato?
- É sua melhor fase, Dino. A mais despojada, a mais refinada...
- Sim, fui eu quem pintei Giulia, foi o primeiro de uma série de retratos femininos de nossa sociedade. .
- Você consegue dar transcendência às coisas mais rotineiras, tudo tem uma luminosidade íntima, interior, intensa...Você não acha?
- Não entendo de luminosidade nem de transcendência...
- Aqui não tem nada a entender. Faço questão de sua opinião. Exijo apenas que seja sincera, que seja aquilo que realmente você sente.
- Eu a acho muito bonita e foi o que mais me chamou a atenção aqui nesta sala.
- Ela era uma mulher muito sedutora.
Corte:
Seqüência 57 - Exterior - Entardecer

Chicão caminha com Pirulito pela rocinha da gávea até o outro lado: São Conrado.
- Aonde a gente vai, Pirulito?
- Pro Cantagalo! Não é onde você tá querendo ir?
- Por aqui?
- A gente sobe mais um pouco e depois desce pelo São Conrado...
- Mas por quê esta volta?
- Vai por mim, Chicão.
- Não vou porra nenhuma! Está querendo me entregar?
- Você não confia em mim?
- Não confio em ninguém. Fala o caminho Pirulito, se não você também não chega lá. Vamos, diga!
- A gente desce pelo mato, cai lá na boca da macumba e depois, num pulo, São Conrado. Depois é aquela sopa.
- Macumba? Hoje não é dia de macumba...
- Não tem macumba nenhuma. É só o lugar...
- Pirulito! Não facilita comigo. Pera aí, estou estranhando você.
- Estranhado por que? Estou do seu lado, eu juro!
- Não gosto de jura: gente falsa é que jura. Quem fala direito, não precisa jurar.
- Pois eu falo direito...Pela alma de minha mãe.
- E não mete a mãe no meio! Vê lá! Começa a te explicar: quer levar um caroço?
- Chicão, tudo que tinha pra falar eu já falei. Daqui a pouco chega um pilantra e a gente falando, falando... vamos falar andando, ome!
- Se acontecer, vou peneirar a barriga dele com a minha 45. Isso eu garanto. Quem te contou que eu estava lá no barraco?
- Eu moro e vivo aqui na Rocinha, se cai um cigarro no chão nós fica sabendo.
- Não sei nada disso não...Quem te contou?
- O vizinho.
- Que vizinho? Como chama esse filho da puta?
- É um velho coitado...
- Coitado uma ova! O que ele disse?
- Ele ficou apavorado, me contou e eu mandei ele sumir.
- Duvido!
- Espere aí. Estamos chegando na boca da macumba. Todo o silêncio é preciso...
- Tem uma coisa me dizendo que você é um bom filho da puta... pára aí.
- Aqui não é lugar de ficar parado...Vamos andando.
- Pára. Já disse. Pára. Não vou mais para o morro do Cantagalo. Está resolvido, vamos descer, pegar um taxi e vamos para Avenida Vieira Souto.
- Que isso ome! Você ficou doido? Quer se entregar?
- Andando, vamos andando, já disse: você fala demais e eu não gosto de quem fala demais...
- Vieira Souto! Essa não!
- Cala a boca e vai andando na frente seu Pirulito de merda.
Corte:
Seqüência 58 - Interior - Entardecer

Maciel está novamente entrando na sala do diretor geral do maior jornal do país.
- Quais são as novidades, Maciel!...
- A coisa continua fervendo...
- Deixe da alegorias e conte logo...
- A bala que matou a italianinha era do seu revólver...
- Do meu não! O que que há!
- Do dela...
- Quer dizer que foi suicídio?
- A hipótese ficou reforçada. Mas penso que há outro aspecto...
- Qual aspecto?
- O aspecto das relações entre ela e o Chicão...
- Você ainda insiste nisso? Não vamos espalhar boatos sensacionalistas...
- Não é boato sen....
- É boato sim! Eu conheci a pobre mulher, sei que ela não ia ter relações com nenhum marginal, ela era uma flor da aristocracia européia...
- Mas doutor...
- Não tem mais nem menos, Maciel! Sensacionalismo não!
- Parece incrível, mas esta é a história.
- Que história?! Inventar romance de gente rica com marginal?
- Mas tem a foto.
- Uma foto não prova nada.
- Olha doutor, tem mais, me desculpe, mas o fato da arma ser da vítima não prova que foi suicídio...
Corte:
Seqüência 59 - Interior - Entardecer

Delegado e Seixas estão na sala conversando.
- Assim que o corpo for removido para autópsia, eu pretendo conduzir o nosso trabalho para esses que aqui estão reunidos, pois tenho quase certeza que entre eles está à quem nós procuramos.
- Só um homem frio, como George, poderia, ao meu ver, cometer esse crime.
- Ou uma mulher fria...
- Mas que mulher ia cometer um crime desse...
- O que precisamos é ter uma conversa com cada um dos que aqui estão o mais rápido possível, esse é o tipo do caso em que os envolvidos são tão poderosos que quanto mais tempo passa, mais difícil ele vai se tornando, compreendeu?
- O caldo vai engrossando até que empedra, não é isso?
- Isso mesmo. Enquanto ele está mole, usamos os empregados e o porteiro, os amigos e amigas e fazemos o tempero com os dois maridos...
- Espero que dê certo.
Corte:
Enquanto o delegado e o perito conversam e passeiam pela grande sala do apartamento de Giulia, os que lhes observam tecem comentários:
- Os Sherlocks estão como gostam de estar. Confabulando sobre a vida e a morte...
- Dos outros, é claro!
- Não, é negro! Vocês então não ouviram falar do romance proibido de Giulia com um negro?
- Um negro? Será o Benedito?
- Pronto, o circo está completo!
- Fabrizio você sabe dessa história?
- Eu? Não sei de nada. É pura Invenção de um repórter de polícia ou de uma mulher desocupada. Eu, sou colunista social.
- Que grossura!
- Disseram que o George estava novamente apaixonado pela Giulia!
- Conheci um padre que se apaixonou...
- Não gosto de padre... dizem que são mensageiros da morte.
Corte:
Seqüência 60 - Exterior - Fim do Entardecer

Chicão e Pirulito pegam o único taxi que está parado no asfalto. É quase noite. Chicão está nervoso e com pressa. Pirulito está muito suado e passa o lenço a todo momento no rosto. O carro arranca em direção do túnel Dois Irmãos.
- Pra onde você tá indo meu camarada?
- O senhor não pediu pra ir pro Leblon?
- Pedi! Mas quero ir pela avenida Niemeyer...
- Que isso Pirulito? Vamos por aqui mesmo.
- Pela Niemeyer é mais seguro, vai por mim!
- Só vou porque estou com as duas bichinhas carregadas e prontas para encher você de chumbo se me trair... por isso pense muito bem para onde você vai me levar.
O taxi entra na av. Niemeyer. O trânsito esta movimentado. A viagem pelas encostas perigosas da avenida segue tranqüila. Depois de passar o grande hotel, na curva, a polícia estava alerta. Paravam alguns carros. O motorista do taxi e Pirulito ficam extremamente nervosos e Chicão, aceso, mais calmo perto do perigo, coordena a direção do motorista.
- Se pedirem para parar, não pare. Se você parar, vai estar mortinho junto aqui do seu amigo.
- Que isso Chicão, não sou amigo dele não!
- Olha aqui seu filho da puta: sei muito bem quem você é... Façam o que eu estou mandando se não a minha bichinha vai começar a cuspir fogo imediatamente...
O taxi pára na fila que espera a blitz. Chicão aponta a arma para o motorista e manda ele sair do carro. Ele sai, lentamente, enquanto Pirulito, todo molhado de suor, aproveitando o momento que Chicão pula para o volante, salta e começa a correr. Não correu três metros e levou o primeiro tiro nas costas, o motorista saca de sua arma e leva dois tiros no peito. A polícia desnorteada começa a disparar indiscriminadamente e todos os carros que estavam parados levam bala, a carnificina é total o que provoca uma grande confusão. Chicão, já ao volante do taxi, acelera e arranca cantando os pneus. Todos atiram contra o veículo que, desgovernado e em velocidade, avança a mureta de proteção, caindo no mar. Todos correm para ver o taxi afundar nas águas escuras do atlântico.
O mar volta a bater conta as pedras. Os policiais procuram pelo corpo de Chicão. O tráfego volta a fluir. As ambulâncias começam a chegar para recolher os feridos. É noite. As ondas quebram com harmonia na praia iluminada de Ipanema.
O Rabecão do Instituto Médico Legal chega ao edifício de luxo da Avenida Vieira Souto.
Chicão sai do mar e vai andando pela areia em direção do prédio cercado pela polícia. Ninguém parece vê-lo.
O rabecão e ele entram pela garagem.




FIM
DO SEGUNDO MOVIMENTO
TARDE










Noite
Terceiro Movimento
“Allegro ma non troppo”


Seqüência 61 - Exterior / Interior - Noite

Imagens da cidade do Rio de Janeiro, da zona sul toda iluminada. Todas do ponto de vista do mar.
O mar e a orla, do ponto de vista de quem está no apartamento de Giulia.
Nadir abre a porta do apartamento para os encarregados do Instituto Médico Legal.
Chicão já dentro do apartamento, na cobertura, no quarto, na penumbra, observa Giulia morta. Abaixa-se e faz um carinho no seu rosto. Ascende uma vela, faz uma oração e assusta-se com o barulho da porta abrindo.
Os dois encarregados do IML entram no quarto.
As pessoas que estão na sala, fazem silêncio. O corpo de Giulia, enrolado num saco de plástico, é levado.
Silvino não resiste a cena e faz um escândalo, agarrando-se ao corpo, arrastando-se no chão, chorando, de tal maneira, que é preciso ser contido pelo delegado Lobão.
Corte:
Seqüência 62 - Interior / Exterior - Noite

Na redação do jornal, Maciel atende o telefone.
No outro lado da linha está Fortunato, falando de um telefone público:
- Maciel! É você? Olha, o Chicão conseguiu fugir novamente. O nêgo tem mais de sete vidas: com o carro todo furado de bala, atravessou a mureta da avenida e foi cair no mar, e quando fomos verificar, não havia ninguém dentro do carro. O que você acha disso? ...
Corte:
Seqüência 63 - Interior - Noite

Na sala do apartamento de Giulia, o delegado Lobão está no telefone. Depois de desligá-lo vai em direção do Seixas. Fala com ele no ouvido e, pegando-o pelo braço, leva-o até o escritório, entra e fecha a porta.
- Seixas, acabei de receber a notícia que o traficante Chicão continua solto ou desaparecido no mar. Você não acha estranho este marginal, que até a pouco tempo era um pé rapado, ser hoje, o inimigo número um da polícia? ...
- Lobão, no mundo do crime tudo acontece com muita rapidez...
- Ah, Dr. Matoso! Boa Noite. Venha, entre por favor.
- Senhores, exijo uma resposta clara e precisa.
- Sim? O que é, doutor? Diga.
- O que os senhores desejam de mim? Um depoimento? Se for, exijo a presença do meu advogado!
- Doutor, o que é isso? Quem falou em depoimento?
- Então, para que nos fazem passar o dia e ainda querem nos obrigar a passar a noite aqui? À toa? Não tenho tempo disponível para isso.
- Nós sabemos, Dr. Matoso. Apenas, no interesse de todos, e para evitar maior escândalo da imprensa, do rádio e da televisão...Tem certas coisas, que envolvem a identidade da italianinha, que todos gostaríamos de esquecer, não é? ...
- Bem, então eu gostaria primeiro de ouví-los... e o senhor, não fala nada?
- A posição exata é a seguinte: uma pessoa apareceu morta, a tiro, esta manhã, no seu quarto, na sua cama. Nosso papel é averiguar como ocorreu a morte.
- O senhor se chama Seixas, não é? O senhor não acredita em suicídio? Posso saber por quê?
- Quem disse que não acredito em suicídio?
- E então?
- Acredito da mesma forma que acredito em homicídio. Esta é a questão.
- O senhor deseja minha colaboração para elucidar esta questão?
- Exatamente! O senhor poderia nos dizer, por exemplo: o que fez ontem a noite?
- Vamos ver, para não ficarmos aqui a noite inteira. De manhã, apos acordar, recebi um telefonema de Giulia...
Flashback: As cenas seguem o texto em off:
Giulia está ao telefone e fala com Matoso.
- Não precisa se preocupar... só quero saber onde posso encontrar Helen...obrigado, chéri.
Giulia faz um passeio por Ipanema e vai num cabeleireiro encontrar-se com Helen. As duas conversam e Helen retira de sua bolsa alguma coisa que passa para Giulia.
- E o senhor!
Pergunta Lobão.
- Eu? Eu, estava almoçando com alguns amigos no clube, onde fiquei a tarde toda.
A noite, voltei para casa, para descansar um pouco e me preparar para
jantar...Fomos a um restaurante e depois estivemos numa boate com alguns amigos. Ai está.
- Alguma destas pessoas que estão aqui hoje?
- Não, ninguém daqui do Rio. Amigos de São Paulo, eu e Helen...
- Jantaram, beberam, foram para boate e até que horas ficaram?
- Acho que até às quatro ou pouco mais. Não sei dizer com certeza.
- Bebeu muito?
- Além da sua conta e para falar a verdade, nem me lembro como terminou a noite: sei que não era tarde, pois o dia ainda não clareara...
Observação para a imagem:
Todas as cenas que são descritas pelo diálogo trazem em suas imagens uma realidade inversa do que esta sendo dito.
Voltamos ao escritório do apartamento de Giulia:
- Só mais uma pergunta, não gostaria de ser indiscreto, mas da boate foi para casa com sua noiva?
- Poderia responder que isso não é da sua conta, mas vou dar uma demonstração de boa vontade e vou responder. Não a levei para a minha casa, deixei-a na casa dela. - É só?...
- É.
Matoso vai saindo quando Lobão vira-se para ele e pede:
- Por favor, o senhor pode pedir ao Sr. George para vir até aqui ao escritório?... Obrigado doutor. Até já...
- E então Seixas? Este não foi ... ou então, está mentindo.
- Sim, depois de separar-se dos amigos, poderia ter dado um pulo até aqui, não podia?...
- Sr. George? Entre por favor. Não repare, mas temos de fazer alguma perguntas...
- As suas ordens. Aceita um cigarro? E o senhor?
- Gostaríamos de saber o que o senhor fez durante o dia de ontem?
- Por acaso, querem saber se fui eu quem matou Giulia?
- Não! Queremos simplesmente saber o que se passou aqui ontem a noite e o que o senhor estava fazendo nestes mesmos horários?
- Acordou em São Paulo e...
- Não, ontem acordei aqui no Rio, hoje, acordei em São Paulo. Não é raro para mim passar o fim de semana no Rio. Acordei cedo no meu hotel,... por vota das dez horas da manhã.
- Cedo? As sete horas já costumo estar de pé e trabalhando... Não é Seixas?
- Qual foi a última vez que o senhor esteve com a vítima? ....
Flashback:
Giulia almoça no restaurante do hotel com George.
O diálogo está em off:
- Almoçamos juntos.
- E o senhor não notou nada?
- Nada! Se tivesse alguma suspeita não sairia do seu lado...
- Mas, e depois...
- Viemos até aqui.
- E...
- Tivemos um dia muito agradável... Só não fiquei mais porque ia chegar um amigo de Giulia muito desagradável, um intelectual de alcova, um bêbado que se diz escritor, um chato, o senhor Rogério Almeida. Preferi partir, não quis estragar a minha noite. Ai, voltei para o meu aconchegante hotel. Chateado, por não poder ficar com Giulia, resolvi voltar para São Paulo. Fui para o Aeroporto. Chovia muito e não podíamos voar. Fiquei a noite no Rio.
- O senhor passou a noite aqui... no Rio?
- No meu hotel.
- Não viu mais a vítima?
- Não. Falei com ela no telefone por vota da meia noite, ou um pouco mais... não me lembro....
- Sim...
- Atendeu um homem com uma voz áspera, rude, mal educada, só podia ser uma pessoa...
Chicão está do outro lado da linha e bate o telefone que estava do seu lado.
- ... Desligou o telefone assim que ouviu a minha voz.
Chicão levanta furioso e olhando para frente, com uma fita na mão, coloca-a no gravador, de onde sai um som, sem qualidade, que se repete:
- ... Chega hoje a noite no cais da praça quinze mil e duzentos quilos de feijão...chega hoje a noite no cais da praça...
Chicão desliga o gravador e diz:
- Aqui está a fita que eu ouvi, sem querer. Agora é preciso mandar a polícia parar com esta perseguição... eu pergunto: sou eu que trago para esta casa alguma droga?...Não vou morrer por aquilo que não fiz! Antes levo muitos de vocês comigo...
Giulia se aproxima dele e pega, na sua mão, a fita.
- Chicão! Devolva-me esta fita agora mesmo e não tente chantagear meus amigos, devolva agora e saia imediatamente da minha casa. Não quero te ver aqui nem mais um minuto, vamos ...
Voltamos ao escritório do apartamento de Giulia. Lobão, que está com os olhos arregalados pelas afirmações de George, questiona:
- Chicão?
- Sim, aposto como era ele!
- E depois, você ficou no hotel?
- Não, sai e fui encontrar com Helen e Matoso numa boate e aborrecido com aquele telefonema resolvi voltar de qualquer maneira para São Paulo e, como a chuva havia passado, fui para o aeroporto tentar levantar vôo no meu helicóptero. Cheguei a São Paulo nesta mesma madrugada.
Corte:
Na redação, Maciel atende o telefone.
Do outro lado da linha, no apartamento de Giulia, o comissário Xavier conta as última novidades do caso da italianinha:
- As coisas aqui estão esquentando, todos estão dando os seus depoimento ao perito Seixas e ao delegado Lobão ... muito dinheiro e muita droga. Foi homicídio, na certa! Dizem que o marginal Chicão está também envolvido... agora vou desligar, está vindo alguém...
- Senhor comissário, o delegado está lhe procurando...
- Obrigado, já estou indo...
Novamente na redação do jornal, Maciel, num estalo, chega a uma conclusão:
- É isso mesmo, elementar! Tem algo de podre no Reino da Dinamarca...
Corte:
Sacos de feijão são descarregados de pequenos barcos de pescadores no velho cais da praça quinze no Rio de Janeiro.
Corte:
Uma porta é aberta e aparece o rosto do comissário. A voz do delegado Lobão ecoa:
- Onde o senhor estava? Chame imediatamente Silvino para o escritório
O comissário faz caras e bocas e fecha a porta.
Corte:
O delegado Fortunato está ao lado do Pirulito, seu informante, agonizando:
- Segura Pirulito, você não vai morrer! Não posso perder um dos meus melhores informantes... Segura, homem! O socorro já está chegando...
- Não adianta Fortuna. Hoje não foi o meu dia... Pegaram ele? ... Olha, o negão estava cheio dos planos, dizia que ia pegar todos aqueles grã-finos e que não ia sobrar nenhum pra contar história... Pegaram ele? ...
Pirulito morre, encharcado de sangue, nos braços do delegado Fortunato.
Corte:
Maciel está sentado de frente ao diretor do maior jornal do pai. Parece nunca ter saido dali. O diretor está atento ao seu relato.
- Veja você, meu caro Justiniano! A mão direita, tombada e aberta; a mão esquerda, semifechada, cobrindo os pequeninos seios, quase escondendo o orifício por onde entrara a bala que rompeu o coração de Giulia, não foram as mesmas que puxaram o gatilho... Não sei ainda os motivos, mas a italianinha foi assassinada...
- Quem foi? Quem o senhor desconfia, pelo menos?
- Ora! Quem estava com ela na madrugada passada. O senhor, por exemplo, não estava lá, estava? ....
Corte:
Silvino entra no escritório do apartamento de Giulia.
- Mandaram me chamar? Aqui estou.
- Aproxime-se, queremos ouví-lo mais uma vez.
- Quer dizer que, durante a noite de ontem, você não esteve aqui.
- Sábado e Domingo à noite Dona Giulia me dava folga.
- Procure então lembrar-se, com detalhes, como foi o dia de ontem aqui, antes de você partir.
- Ok. De manhã, Dona Giulia acordou como sempre: por volta das dez horas...
Flashback:
- Acordou, comeu uvas, como sempre, leu os jornais... atendeu o telefone... preciso falar nos telefonemas?
- Só os mais importantes... Sabe quem telefonou?
- Os nomes? O Rio de Janeiro todo...
- O Senhor George e Dona Helen telefonaram?
- Sim! Ou foi Dona Giulia que ligou? Não me lembro.
- E depois...
- O Senhor George almoçou com ela. Passou o dia aqui. Saiu um pouco antes da chegada de Rogério, um grande amigo da condessinha, não passava um dia sem telefonar para ela. É um homem muito inteligente e apaixonado por ela...
- Alguém mais telefonou ou apareceu aqui?
- Não sei, depois que o Rogério chegou, eu sai. Mas outro que telefonou foi o Senhor Justiniano, o dono do jornal...telefonou umas vinte vezes...
- Vinte vezes, este homem não tem mais nada para fazer? Ele freqüentava a casa?
- Nunca veio aqui, só falava com ela por telefone.
- Então só estiveram aqui o Sr. George, o tal do Rogério e Helen?
- Dona Helen?! Não, ela ontem não esteve aqui. Só se esteve depois que Nadir saiu...
- Nadir?! Que Nadir?
- É a copeira-arrumadeira da casa.
- Essa Nadir também dormiu fora?
- Não, nunca! Isso eu não permitia. Ela sempre dormia aqui...
Um barulho grande invade o escritório.
- Que barulho é esse?! Que é que está acontecendo?! Quem é esse homem? Que é que há, Xavier?
- Este cara estava lá no quarto da empregada... ele diz que é repórter, mas tem cara de vigarista. Nunca vi repórter vestido desse jeito...
- Que história é essa de repórter?
- Eu trabalho para o maior jornal do país...
- E o que está fazendo aqui vestido desse jeito?
- Fica direito rapaz! Ponha as mãos para traz! Vamos!
- Calma, Xavier, calma. Vamos ver o que nosso amiguinho tem pra contar...se não quer passar a noite no xadrez...
- A culpa é minha Doutor, fui eu quem deixou ele entrar, ele é jornalista e já sabe de tudo...
- Cala boca, menina! Volta lá pra cozinha, ninguém te chamou aqui Nadir!
- Nadir!...É você? O que você falou pra esse meninote? Vamos, diga!
- E eu que pensei que você fosse de confiança! Nunca mais. Traiu minha confiança, é uma vez só. Você menina, comigo, está liquidada.
- Calma, Silvino, calma. Nadir o que você falou para ele?
- Nada doutor, só o que eu já tinha contado pro Silvino.
- Sua megera! Fofoqueira! Linguaruda!
- Doutor, quer que eu leve esse maricas embora?
- Deixa ele aqui, ele já sabe de tudo mesmo...
- Você trabalha para o Maciel?
- Sim, doutor, ele é o meu chefe.
- Você passou o dia inteiro aqui?
- O dia inteiro. Aqui e no apartamento de um doido no terceiro andar.
- Bem, Silvino, pode ir, não precisamos mais de você...Xavier, telefone para o Maciel e pergunta sobre o repórter ....
- Quer dizer que você conhece um sujeito e no mesmo dia deixa ele entrar no seu quarto. Você facilita muito menina.
- Agente já se conhecia antes...
- Deixa disso rapaz...
- Chefe! O Maciel disse que o rapaz trabalha para ele...
- Rapaz, você sabe que poderia pegar uma cadeia por fazer o que fez?
- Meu jovem tome jeito enquanto é tempo...
- Vamos mocinha conte direitinho o que aconteceu ontem, essa madrugada, quando voltou da rua para casa?
- Contei tudo pro Silvino, juro!
- Vamos... conte novamente.
- Cheguei em casa depois da meia noite, antes de dormir fui até a cozinha beber água..ouvi vozes na sala ... era da Dona Giulia e do Chicão. Ela estava zangada...
Flashback:
Nadir está na cozinha, ouvindo a conversa da sala, encostando-se na porta para ouvir melhor.
Na sala, chicão está de pé com o dedo apontado para alguém:
- Não gosto de cochicho diante de mim! Esse negócio de cochicho é pra gente safada!
- Vai embora Chicão, eu te peço...
Nadir, ouvindo eles se aproximarem, sai correndo para o seu quarto. Chicão passa acompanhado por Giulia. Ele sai do apartamento.
A cena volta ao escritório do apartamento de Giulia.
- Você viu mais alguém, além do Chicão, na sala? Tente lembrar...
- Faça um esforço!
- Tinha mais uma pessoa com Dona Giulia, mas, eu sinto muito, não sei quem é.
- Poderia ser mais de uma pessoa?... Um casal, quem sabe? ...
- Eu não sei de mais nada doutor, juro por Nossa Senhora!
- Estamos satisfeitos ... podem sair os dois ...
- Sr. Jornalista, o senhor não está liberado para ir embora, permaneça no apartamento.
Os dois saem do escritório e deixam a porta aberta.
Corte:
Seixas conversa com Lobão:
- Olha Seixas, se o Chicão foi embora como disse Nadir, não resta dúvida que ele voltou ao morro, pro barraco, onde sofreu o cerco do delegado Fortunato...
- Aí está o ponto crucial de toda essa história. O Chicão foi embora e não voltou mais; mas alguém ficou aqui e ele sabia quem era.
Corte:
Nadir entra no terraço do segundo andar acompanhado por Jorge.
Chicão que estava ali escondido, assusta-se, sobe no telhado e pula para o apartamento do lado. No quarto, mal iluminado da cobertura vizinha, pode se ver um casal amarrado e amordaçado.
Nadir e Jorge trocam carícias.
Corte:
Seixas e Lobão estão em pé:
- Lobão, e se a gente tentasse ouvir todos de uma só vez?
- Todo mundo de uma só vez?
- Vamos! A cada palavra dita por um, o outro pode se sentir traido e assim a verdade pode aflorar...
Os dois saem do escritório em direção da sala.
Corte:
- Sinto muito Maciel, está péssima a sua versão dos fatos, além de inverossímil é impublicável. Mas eu tenho boas notícias: você vai ser promovido e assim pode aposentar-se, em pouco tempo, com um bom salário de diretor, o que você acha Maciel? Então, vai curtir uma praiazinha com a família, hein? Você que é feliz... Agora volte mais tarde e me traga logo boas notícias também.
Maciel sai da sala do Diretor do Jornal, cabisbaixo e triste. No andar lento em que ele se desloca, vai aos poucos, levantando a cabeça, aumentando o passo, e em pouco tempo, como se descobri-se a saída, corre dizendo:
- Agora eu sei, descobri! O Chicão voltou ao local do crime... Vou dar o maior furo jornalístico de todos os tempos... Me aguarde velho fascista...
Corte:
Seqüência 64- Interior - Noite

Seixas entra na sala acompanhado por Lobão. Seixas vai direto a onde está Helen e lhe pergunta de supetão:
- A senhora Helen poderia nos dizer o que fez a noite passada?
- Oh, chéri!
- O modo como os senhores estão agindo é no mínimo impertinente!
- Responda então senhora! Como passou o dia de ontem?
- Oh, chéri!
- Calma amor, calma, não se preocupe...os senhores não percebem o estado em que ela se encontra? Quer uma aspirina?..
- Não, Matoso! Você sabe que não tomo remédio! Ontem fui ao cabeleireiro e lá me encontrei com a Márcia e a Lulu. Depois fui encontrar com você no clube. Almoçamos juntos e passamos a tarde juntos, não foi chéri? Assim passei o meu dia. Era o que os senhores queriam saber?
- E de noite, minha senhora? Desculpe, não queremos ser indiscretos...
- A senhora pode nos dizer quantas vezes esteve ou falou com a vítima ontem?
- Falamos ontem, anteontem e ante-ante-anteontem, falamos todos os dias...
- O que isso pode interessar aos senhores?
- A senhora não esteve ontem com a vítima?
- Ah, sim, estive com Giulia ontem à noitinha...
- A noitinha? A que horas?
- Foi antes de ir para casa...por volta de oito horas, mais ou menos.
- Encontrou a vítima ainda com vida?
- Claro! Se encontrei com ela...
- Ela estava bem?
- Não demonstrava nenhuma apreensão.
- A senhora permaneceu aqui muito tempo?
- Meia hora, uma hora, por aí.
- Foi a única vez que tiveram juntas ontem?
- .... Sim, foi a única vez.
- Basta! Chega! Não responde mais querida! Nem mais uma palavra! Isso está virando inquisição: quem é que os senhores julgam que são? Que história é essa? ...
As pessoas que estão na sala fazem os seus comentários:
- Olha só a triste figura do outro policial: parece um funcionário dos Correios. Tem a tristeza de quem vive enviando cartas e telegramas, e nunca sai do lugar.
- Acho que vão nos levar para o xadrez num rabecão...
- Dino, você está de olheiras profundas...
- Tenho trabalhado muito...
O delegado Lobão, levantando as mãos para o alto, tenta chamar a atenção:
- Meus senhores, mais uma vez: por favor! Estamos aqui, como sabemos...
- Se sabemos, então para que falar?
- Como? O senhor disse alguma coisa?
- Falava comigo mesmo...
- Bem, todos sabem para que estamos aqui...
- Eu não sei: desculpe, mas não sei.
- O senhor era amigo da vítima? Quem é o senhor?
- Meu nome é Luís, mas todo mundo me chama de Lilico.
- Lilico, não estamos aqui brincando, estamos aqui para tentar descobrir quem matou a condensa Giulia de Montechiaro...
- Mas não foi ela mesmo? Eu estava certo que tinha sido ela!
- Gostaríamos de saber como e por que o senhor assegura que a vítima foi quem desfechou o tiro que lhe roubou a vida. Tem alguma prova ou motivo particular dessa certeza?
- Eu? Deus me livre! Estou apenas repetindo o que é voz corrente.
Corte:
Maciel está no telefone público:
- Por favor, chame o redator chefe desta birosca... Alo, é você Hélio, Maciel... Vamos aos fatos, tenho na minha mão o maior acontecimento do ano. Matéria para vender milhares de jornais, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Um furo, de uma notícia que ainda está para acontecer... Olha, aceito trabalhar com você até como repórter policial... encontre comigo, o mais rápido possível, na Avenida Vieira Souto 333.
Maciel, sorridente, entra num taxi e fala para o motorista:
- Meu amigo vamos para a zona sul, para a liberdade...Avenida Vieira Souto 333... O gato está na Janela, ele vai pular....
O motorista olha de maneira estranha para o passageiro pensando em tratar-se de um louco ou de um bêbado falando sozinho.
Corte:
Na sala Seixas e o delegado Lobão continuam em busca de um culpado:
- E o senhor? Como se chama?
- Rogério Almeida, as suas ordens.
- Muito bem. Profissão?
- Escritor.
- É disso que o senhor vive?
- É a razão de ser da minha vida...
- O senhor esteve ontem com Dona Giulia?
- Estive sim, só não me lembro a hora exata...
- Faça um esforço!
- Entre oito e nove da noite...
- Quanto tempo estiveram juntos?
- Uma eternidade. Giulia e eu sempre estivemos juntos e sempre haveremos de estar...
- Bravo Rogério, uma declaração de amor...O romantismo ainda não morreu!
- E seu encontro com a vítima...
- Posso lhe pedir um favor?
- Sim.
- Poderia evitar, pelo menos enquanto se dirigir a mim, chamar Giulia de vítima? Isso é profundamente chocante!
- Pois não! Em seu encontro com Giulia notou alguma diferença nela?
- Ela estava apreensiva? Não. Inquieta? Talvez. Mas não pelo que lhe poderia ou viria a acontecer, isso não! Giulia estava insatisfeita...Desassossegada seria a palavra exata... Inspetor, no meu ofício é preciso sempre escolher a palavra exata. Você não acha?
- E por quê desassossegada? Sabe por quê?
- Não, infelizmente. Se soubesse, talvez pudesse tê-la ajudado...
- E o que você sabe?
- Que ela esperava alguém. Um telefonema, perguntei à ela e ela negou. Perguntei se ela queria que me fosse, para deixá-la a vontade; disse que não. Insistiu para que ficasse... ela estava realmente desassossegada.
- E ninguém mais veio aqui, Senhor Almeida?
- Ninguém. Exceto a moça que aqui trabalha: Nadir. Giulia mandou-a à rua comprar alguma coisa....
- Voltou a falar com a vi... com Giulia, depois que saiu?
- Como, meu senhor? Falar como, se ela estava morta? Não sou espírita.
- Quer dizer que o senhor partiu pouco antes dela morrer? Foi assim?
- Se foi pouco antes ou não, não posso dizer. Só sei que sai daqui ontem de noite e deixei-a viva, e hoje, quando acordei, soube que estava morta. Não dava para ter falado de novo com ela.
Corte:
Seqüência 65 - Exterior - Noite

Na avenida Niemeyer o tráfego já está normalizado. Fortunato entra no carro da polícia e liga pelo telefone celular para o jornal:
- Por favor, eu quero falar com o Maciel..Diga que é urgente...o que? ele saiu? Foi pra onde, você sabe? De taxi, para Ipanema... obrigado.. Aquele filho da puta quer me passar pra trás. O que ele foi fazer em Ipanema? Demerval, vamos para a Vieira Souto, o mais rápido que você puder ir. Vamos!...
O carro da polícia, com a sirene ligada, sai em disparada pela avenida congestionada. Entrando pela contra mão, complicando mais ainda o trânsito. Fortunato, aflito e apressado, comanda o motorista em sua louca direção.
Corte:
O Taxi, conduzindo Maciel, vai com pressa, a pedido do jornalista, que também está aflito e apressado, pela Avenida Atlântica, onde descortina-se, pela janela do taxi, a noite devassa do bairro: putas, crianças famintas, brigas, gangs, polícia e travestis semi-nus passam pela orla iluminada.
Corte:
Chicão olha para o casal amordaçado na pequena saleta da cobertura e vai até a varanda ver se Nadir e Jorge ainda estão lá. Não estão. Ele pula o muro, entra no quarto de Giulia e apanha a arma cravejada de esmeraldas que está guardada no saco plástico ao lado de outros saquinhos com as evidências do ocorrido.
Corte:
Seqüência 66 - Interior - Noite

Na sala do apartamento de Giulia o delegado e o perito continuam a sua investigação.
- Alguém mais dos senhores possui qualquer informação que considere de utilidade...
- Esse negócio não acaba hoje e já estou ficando com sono... é tudo muito chato.
- Estou adorando.
- Doutor delegado?
- Eusébio Lobão, às ordens.
- Me chamo Lilico, o senhor já sabe...
- Muito bem senhor Luís, o que deseja?
- Eu? Na verdade, queria um pouco mais de gelo.
- George, me apresente o policia mais baixo, ele tem um tipo diferente.
- Pois não, Virgínia.
- Sr. Seixas, esta é Virgínia.
- Oi! O senhor está há muito tempo na polícia? Sabe que adoraria trabalhar num caso policial? Adoro romances policiais...É meu livro de cabeceira... Olha, eu telefonei para Giulia e ela me disse: De biquíni, nem morta! ...
- A senhora ouviu isso ontem?
- Ontem? Não, foi no verão passado.
- Vitório, o meu marido, me disse que nenhum detetive é tão bom detetive se não joga xadrez. Joga xadrez, Sr. Seixas?
- Não.
- Não? Bem toda regra deve ter exceções. O senhor é uma delas. Não é lisonjeiro?
- Não sei, minha senhora. Não sou detetive.
- Não? Mas eu pensava...
- Sou perito, madame.
- E então? Procurem lembrar de algum fato elucidativo que possa nos ajudar...
- Foi um prazer conhecê-lo, senhor perito.
- Meia-Dose, foi você que matou a nossa Giulia? Onde estava nesta madrugada às três da manhã?
- Minha discrição não permite que eu diga onde estava a esta hora.
- E você Osvaldino? Como foi a sua madrugada?
- Proveitosa.
- Para arte ou para a ciência?
- Para ambas.
- Normam Mailer e Reich dizem que um bom orgasmo resolve tudo.
- Alguém tem mais alguma coisa para dizer?
- É triste trabalhar na polícia?
- Bem como ninguém tem mais nada a dizer, acho que podemos ir embora...
- Um instante!
- O que há, Seixas?
- Senhores, apenas mais um minuto desse dia prolongado e teremos terminado.
Corte:
Seqüência 67 - Exterior - Noite

Na portaria do prédio de luxo da Avenida Vieira Souto chega correndo o delegado Fortunato e logo em seguida o jornalista Maciel. Os dois se encontram:
- Maciel, o que você veio fazer aqui?
- Fortunato, esperava te encontrar, deixei na portaria do jornal um recado para você me encontrar aqui, não foi? Então por quê esta cara de bode?
- Você quer me passar a perna. Não foi dar cobertura a cilada que preparamos para o Chicão, depois de todas as informações que te dei, e ainda quer que o tenha a cara do seu agrado? ...
- Fortunato, deixe de besteira, o que eu vou te dizer recupera todas as minhas falhas... Está aqui, no prédio, no apartamento da italianinha, quem você mais procura...
- Chicão... Eu já tinha imaginado... Mas como ele conseguiu entrar?
- Ele entrou, como sempre faz, pela garagem.
- Pela garagem? Conta outra Maciel.
- Fortunato, nosso repórter de esporte, seguindo na orla marítima uma moreninha de Ipanema, viu ele entrando pela garagem, ele tem a chave, o controle eletrônico, a italianinha deve ter dado para ele, acredite, ele está lá em cima e preparando alguma. Você tem de agir e rápido se não vai acontecer uma desgraça....
Fortunato retira a sua arma do coldre e corre para o carro pedindo pelo rádio reforços. Aproxima-se de Maciel o repórter Jorge, acompanhado de Nadir:
- O que você tá fazendo aqui seu filho da puta!
- Eu posso explicar tudo...
- Mas quem é você?
- Ela se chama Nadir e é a empregada da Dona Giulia...
- Olha, se prepare que a coisa aqui vai esquentar, o Chicão se refugiou aqui no prédio e a caçada ao marginal agora vai ter fim, ele está encurralado. Você trouxe a sua máquina de fotografia?
- Sim! Está aqui.
- Então seu sortudo vamos fazer a melhor e mais sensacional reportagem deste ano... A bela e a fera. Um gato na janela. Cheque mate.
Corte:
Seqüência 68 - Interior - Noite

Na sala todos olham para o perito Seixas que está em frente da escadaria que leva ao segundo andar da cobertura de Ipanema.
- A senhora, desculpe, a senhorita Helen talvez queira dizer por que e para que veio a este apartamento na madrugada passada, e contar para todos nós o que exatamente se passou aqui.
- Eu? O que?!...
- Não foi nada, meu amor! Não responda! Água, depressa! Cretinos!
- Seixas, o que é isso? Você acha? ...
- Estou adorando!
- Ela está branca como a neve.
- Afastem-se. Assim, Helen não pode respirar! Para longe!... Está melhor? ...Vamos respire fundo. Devagar. Vamos...Os senhores prestarão conta dos seus atos a justiça. Isto tudo é um absurdo.
- A senhorita Helen veio até este apartamento trazendo um saquinho cheio de bagos de feijão para a vítima...
- Bagos de feijão! Esse homem está louco!
- Senhor delegado chego a pensar que o seu amigo bebeu!
- A senhorita sabe do que eu estou falando...
- O senhor quer dizer que minha filha: isto é um absurdo! Helen não tem a menor idéia do que se trata...
- Volto a insistir que ela sabe do que estamos falando...
- O que querem de mim? Paizinho, que é que eu fiz? ...
- Nada, querida. Sabemos disso.
- Mas o que faço, paizinho?
- Responde a pergunta dele e tudo estará acabado.
- Eu voltei da festa para casa...
- E o que fez antes de dormir?
- Virgínia, você está vendo como eles todos estão contra mim?
- Que é isso, estamos todos ao seu lado...
- Responde logo: o que você fez antes de dormir?
- Responde...
- Responde...
- Responde..
Helen revira os olhos e parece que vai desmaiar novamente.
Corte:
Fortunato e Maciel sobem para o último andar pelas escadas. No caminho encontram-se com o negro do andar inferior. Fortunato, assustado, pensando ser Chicão, atira e acerta o inocente vizinho:
- Tá vendo Maciel, o estrago que faz uma bala dessa? Se esse Chicão não estiver aqui, o que vamos dizer?... Enganei, chefe! ... Também esses nêgos são todos parecidos!... O que eu podia fazer?
Corte:
Na sala do apartamento de Giulia, Chicão aparece no alto da escadaria.
Um gato pula da janela para o quarto de Giulia, passa pela cama, pela porta e desce a escadaria na frente do Chicão.
Flashback:
Corte:
Chicão desce os degraus trajando a mesma roupa, só que a de agora está nova, passada e engomada, branca como as nuvens.
Ele achega-se à Giulia, lhe dando um beijo. Ambos cheiram um pó branco. Sorriem e sobem as escadas. Entram no quarto, tiram as roupas, deitam-se na cama, acareciam-se e dormem.
George, escondido pelas sombras, entra no quarto de Giulia.
Giulia e Chicão estão desmaiados em cima da cama.
Giulia está seminua, só de calcinha e Chicão de calção. A mão enluvada, pega o revólver de esmeralda e coloca na mão direita de Giulia, encosta-o no seu pequenino seio, do lado do coração e puxa o gatilho.
Chicão acorda assustado e sonolento. Veste sua roupa e sai do quarto sem prestar atenção em Giulia.
Corte:
Chicão desce os degraus da escada com a arma de Giulia na mão apontada para o grupo onde está Helem.
George se interpõem entre os dois...
- Não, Chicão, seu marginal, não foi Helen que matou Giulia...
Todos se afastam quando vêem Chicão descendo a escada.
O delegado Lobão tenta pegar a sua arma. Leva o primeiro tiro e cai.
Todos gritam e caem também no chão. Tentam se esconder.
Chicão, se aproxima mais rápido de Helem, que está junta de seu pai George e do Dr. Matoso. Ela está aterrorizada. George tenta falar...
- Cala boca seu grã-fino de merda. Eu sei quem matou Giulia e não foi ela...
- Vira-se com rapidez para o Matoso, puxa o gatilho, dois tiro ouvem-se quase no mesmo instante na sala. Chicão baleado cai no chão. Matoso também cai ferido. Bili, o autor do segundo disparo, foi quem deu o segundo tiro mortal com sua arma retirada da pasta que sempre carregava consigo.
Fortunato e Maciel entram na sala, depois do primeiro arrebentar a porta com um chute.
George vendo Chicão, ainda vivo no chão, retira o revólver de esmeralda que está caido ao lado do corpo, aproxima-se do ouvido de Chicão dizendo:
- Não foi Helen nem o Matoso que mataram Giulia! Fui eu e foi você, preto filho da puta...
E dá nele o tiro de misericórdia. Maciel que olha a cena, diz para Fortunato:
- Queima de arquivo?
O perito, levanta-se do chão e vai mexer no bolso de Chicão morto, estendido, todo molhado de vermelho. Ao lado do corpo está caída uma fita de secretária eletrônica. Ele pega-a, põem no bolso, veste o seu casaco, olha para o relógio que fica na sala - 12 horas - abre a porta arrombada e sai para a rua.
George entra em seu helicóptero acompanhado de Helen e levanta vôo.
A imagem final é de afastamento da cena.
Afastamo-nos do perito Seixas que com a chuva fina que cai, abre o seu guarda chuva e sai em direção da praia.
As ondas batem forte. O dia começa a amanhecer. Ipanema se afasta, o Rio de Janeiro se afasta e no alto mar agitado, um navio cargueiro.
Uma nova remessa de feijão é lançado ao mar.

TITULAGEM FINAL

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